Na Cidade do México, ‘onde a vida é mais pequena’, saí
de casa do Marco e de Daniela para a cidade da Civilização Asteca: Tenochtitlán.
Uma hora e meia de viagem de metrobus
e autocarro. No autocarro, as janelas ‘escondem o horizonte, empurram o nosso
olhar para longe de todo o céu’. Silenciava o monólogo interior, escutando
‘dreams of a journey’ e sonhava com um império civilizacional.
A incursão pelo ‘Museo Nacional de Antropología’, da
Cidade do México, fora apenas um introito, confirmando a ninharia da minha
existência. A companhia musical de ‘scent of love’ apagou-se. Importava escutar outras vozes, enquanto os pés pairavam de pavilhão
em pavilhão, de sala em sala, de cave em cave. As flores azuis, atrás das
montanhas, que falam e falam na ‘Canción del Peyote’, eram um alerta. Havia que
atentar ao que os olhos líquidos captavam. Havia que pelo menos tentar absorver
alguns grãos da informação infinita sobre séculos de civilizações ancestrais.
Acrobatas, serpentes emplumadas, coiotes, jaguares – o que olhos captavam sem
apreenderem a chave da vida, ritualizada ao ínfimo pormenor através do culto
dos mortos. ‘Eu sou do tamanho do que vejo’. O que via era o mito da criação
espelhado na Pedra do Sol. Perguntava-me em que aldeia estava eu, para desse
modo poder alcançar ‘quanto da terra se pode ver do Universo...’
As deidades guardadas nas tumbas, os deuses do sol e da
lua venerados com rituais descritos e explicados através dos relatos
mitológicos, eram janelas para um mundo onírico. Um mundo mágico, mitológico,
povoado de xamãs – os mediadores entre os seres terrestres e os seres
sobrenaturais. Através das suas poções, tabacos e algumas bebidas mais ou menos
alucinogénias, os sacerdotes contactavam com o mundo superior, dando esperança
aos terrenos. Uma segurança assegurada pela construção de estátuas,
tótemes, templos... pirâmides.
No topo das pirâmides do Sol e da Lua... em
Tenochtitlán, alguns dias depois. Pelas janelas do autocarro, que ‘escondem o
horizonte, empurram o nosso olhar para longe de todo o céu’, sentia ‘la
folie’ em modo musical - a melodia que narrava o percurso sobre rodas até
Tenochtitlan. Um percurso que me conduzia até uma aldeia, que é ‘tão grande
como outra terra qualquer’.
Não era uma calçada qualquer, aquela que atravessei.
Através da ‘Calzada de los Muertos’ entrava num mundo ainda muito vivo.
Habitado de pedras sobre pedras, cujos cálculos e sentidos posicionais me
faziam adivinhar que o seu tamanho não seria a sua altura.
A ‘Plaza de la Luna’, um dos espaços sagrados mais
importantes na cidade asteca. Um espaço aberto com um altar, a plataforma das
coisas imperfeitas, aquelas sacrificadas para um mundo que se desejava mais
perfeito. A imagem da deusa das águas, a companheira do deus das trovoadas, ainda
permanece na praça ‘lunar’, como que testemunhando cada turista mais ou menos
curioso, mais ou menos distraído, mais ou menos pequeno e pobre. Dependendo do
alcance do olhar. O que os meus olhos me davam, ao subir a Pirâmide do Sol era
uma riqueza que, depois de capturada, ficou bem guardada num baú, cuja chave,
mesmo que perdida, salva está... pela memória ‘que aqui na minha casa no cimo
deste outeiro’, me mostra mais uma vez que ‘eu sou do tamanho do que vejo’.
Na Pirâmide del Sol avistei o horizonte infinito e
senti o poder da luz; os raios de sol tocavam a minha pele e a escala do meu
mundo ampliou-se. Aquietada, sentada numa pedra, na qual muitas vidas se
perderam, os cinco sentidos estavam alerta, agarrando a continuidade
ininterrupta de um tempo sem tempo. O impulso criador, aquele que o sexto
sentido, inexplicável, inefável tentava apreender na imobilidade inerte de quem
testemunha a origem de todas as coisas. O cimo daquela pedra era, num instante
eterno, a minha aldeia que me permitia ver o ‘quanto da terra se pode ver o
Universo...’
Por isso, mesmo que vida na cidade seja mais pequena,
os meus olhos viajam, viajam e sempre me mostram que são eles, também, a minha
riqueza... a de ver.
* Intertexto com "Da minha aldeia vejo quanto da terra
se pode ver do Universo…”, de Alberto Caeiro
24 de Maio de 2016
Matosinhos, Portugal
Sem comentários:
Enviar um comentário