Num túnel


Numas botas rudes, as pernas longas e cansadas contornam a frieza das paredes em curva. Nunca chego a horas; percebe-se no rosto congelado, onde as horas passam como se fossem minutos. O espaço incógnito é uma luz distante que enforma a negrura dos olhares mortos. Três pessoas. Um homem. Duas mulheres. Os cabelos esvoaçantes tapam as costas que o vestido dançante não cobre. Essa mulher, de aroma quente e sensual, arrepia-me a pele. A outra figura feminina, de calcanhares distantes do solo, desloca-se – qual hipopótamo – para o homem que parece uma estátua.
Um túnel. Três pessoas. A escuridão do rosto masculino ensombra o brilho intenso dos olhos imensos das duas opostas. No túnel obscuro, as horas passam como se fossem minutos em mãos tapadas pelas mangas. Ninguém parece saber quem é quem. Um trio no anonimato de um lugar desconhecido. A minha pele arrepia-se. Adivinho um par de mãos na direcção do homem. O outro par esconde-se no medo. Três pessoas ofuscadas pelo túnel congelado. As mãos calçam a vingança. A minha pele arrepia-se na frieza  que contorna o aroma quente de quem sabe a acção seguinte. O hipopótamo arrasta-se nas pernas entorpecidas por esse sentimento urgente de sanar um destino coagulado. O homem estátua perece às mãos alheias sem compreender de onde chega esse brilho intenso de uns olhos imensos. Só tem tempo para calçar os sapatos de engate que se resultam num sorriso mordaz.
A outra mulher esbate-se nas paredes em curva observando à distância. Não tenho nada a ver com os outros. Mergulha-se no horror do que vê cerrando o olhar. Três pessoas. Um homem caído. Um par de mãos assassinas. Outro par à distância do socorro. A inércia do espaço incógnito fecha-se na frialdade das curvas enformadas pela luz que exala olhares mortos.
A minha pele arrepia-se.

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