Feliz 2018!*





Feliz ano novo!
Feliz ano novo? E paf!! Uma grande estalada. Pfiu!! Mais um ano que passou? Trezentos e sessenta e cinco dias se passaram. E quem se deu conta? Foram vividos a correr, a caminhar, a voar, a flutuar? Qual terá sido a percepção de cada um de nós? A vê-los passar? A vivê-los intensamente? À espera de alguma coisa? À espera de alguém? O que fizemos para merecer todos esses dias acumulados na nossa existência? É apenas mais uma camada de horas, dias, semanas, meses? Ou podemos dizer que cada dia foi glorificado e digno de ser considerado pleno para a nossa existência?
Para mim, as questões não se ficam por aqui. Terminado mais um ano, que para mim coincide na perfeição com o término de mais um ano de vida, coloco-me perguntas que me auxiliem a compreender como vivi durante um ano. Se de facto terei vivido e bem ao longo de mais um ano. Para então começar, neste caso, 2018 de um modo mais consciente, mais focada, mais atenta.... Estabeleço um rol de indagações, por mais difíceis que sejam de responder, sabendo que só eu ganho em ser honesta.
Começo por relembrar os objectivos estabelecidos no início do ano. Quais foram alcançados e como? O que aprendi atingindo o que me propus? Em que medida valeu a pena? Quais foram aqueles que ficaram para trás e porquê? O que aprendi com esse, chamemos-lhe, desvio?
O que fiz pela primeira vez? Que novas experiências me foram permitidas viver? Em que medida terão sido adequadas? O que retive de útil para crescer?
Qual foi o episódio vivido mais relevante e porquê? De que modo essa ocasião me ajudou a ser melhor pessoa?
Onde fui pela primeira vez e com quem?
Quantos livros li e quais se salientaram e porquê?
Quantos livros não li e porquê?
O que escrevi e para quem e para quê?
E o que deixei de escrever e porquê?
Quem conheci de novo?
Quem reencontrei?
Quem perdi?
Quem ficou?
Quem partiu?
O que fiz para ser mais amorosa e compassiva comigo própria?
O que fiz para ser mais compassiva e atenciosa para com as pessoas que me rodeiam?
O que percebi ter deixado de fazer ou ser com as pessoas que me rodeiam? O que me impediu e porquê?
Qual foi o acontecimento nacional que mais me sensibilizou e porquê? O que fiz, o que poderia ter feito, o que não fiz e porquê?
Qual foi o acontecimento internacional que mais me sensibilizou e porquê? O que fiz, o que poderia ter feito, o que não fiz e porquê?
No fundo, estas e mais algumas questões contribuem para compreender em que medida sou e estou diferente, depois de mais um ano de vida. São elementos que concorrem para assimilar o que terei aprendido ao longo de doze meses, cinquenta e quatro semanas, trezentos e sessenta e cinco dias, oito mil setecentas e sessenta horas, quinhentos e vinte cinco mil e seiscentos minutos. Confronto-me com estes valores para, dessa maneira, me lembrar que afinal não foi assim tanto o tempo que me estava disponível e para me recordar que muitos (demais) desses minutos foram desperdiçados a vaguear num mundo que não existe, a deambular num espaço superficial. Confronto-me com estas somas para seguir o caminho de forma real, com pessoas e lugares reais para, assim, aprender a ser mais real.
Ao responder a estas questões sinto-me preparada para receber um novo ano de coração e braços abertos. E então, o meu desejo para mim e para todos os leitores e leitoras do Chapinheiro é que seja um muito feliz ano novo!
Que 2018 seja efectivamente de renovação, de renascimentos, de redescobertas, de religações, de recuperações e de reciclagens, até.
O ‘re’. O ‘re’ sem ser de repetição. Um ‘re’ de regozijo, de recomeço, de reencontros. Sem permitir, se quiser ir mais longe, que a repetição se reinstale. Recuperando e restaurando. Sim, recuperando e restaurando as matas, as florestas, as montanhas, as serras (talvez o exemplo mais preponderante para as gentes da nossa aldeia). Evitando que os erros se repitam nesta, como noutras matérias, e nesta, como noutras dimensões da vida.
Recomeçando com a consciência de ter aprendido. E que, por isso, seja também um ‘re’ de rejeitar. Rejeitando o que deixou de ser adequado e o que estava a mais. Recomeçando, sim. Retomando e reorganizando os caminhos e práticas que nos tornam mais atentos em relação à vida que nos é concedida viver.
E para recomeçar é necessário, pelo menos para mim, olhar um pouco para trás. Sem apego, sem dúvida, mas apreciando, avaliando cada instante, cada lugar, cada pessoa, cada experiência.
Só desse modo, parece-me, o caminho pode ser renovado, com todo o aprendizado alcançado, quer com erros, quer com sucessos (chamemos assim). Se possível, procurando compreender como se chegou aqui e, então, prosseguir. A sorte e o azar até podem acontecer. Mas creio que o meu futuro é resultado de um agir presente. E que o presente sucede de um agir no passado. Daí que quanto mais consciente se estiver em cada instante, mais presente(s) se terá e será no futuro.
Bom ano! Bons meses! Boas semanas! Bons dias! Desejo muitas horas e minutos felizes! Em lugares e com pessoas que possam ser relembrados em 2019 com um sorriso... enorme!
*Este texto foi publicado no Jornal Chapinheiro

Dia(s) das / nas montanhas...*






Há precisamente três anos, foi-me concedida a oportunidade de viajar durante mais de dois meses pela América do Sul. Parti em direcção a São Paulo, de onde voei para Cusco, Peru. Tive, pois, a possibilidade de caminhar vários dias pelas montanhas dos Andes, tendo como destino final Machu Picchu.

 De Cusco fui para a Bolívia, atravessei a fronteira com o Chile de autocarro para, então, cumprir um dos meus sonhos: pisar, tocar, cheirar, escutar, enfim, sentir o deserto de Atacama.

As crónicas da época, neste jornal, registaram algumas dessas experiências. Se regresso a esses lugares, pelo menos através das palavras, é pela necessidade que sinto de enaltecer (sempre) o dia 11 de Dezembro – a data escolhida internacionalmente para lembrar as Montanhas.

Em San Pedro de Atacama conheci uma chilena montanheira, a Cristina, que ficou em mim gravada. Para ela, como para mim, a imensidão dos Andes, a altitude das montanhas, o silêncio do céu – tão próximo que parece tangível -, o calor dos meus passos... lentos, são dos ‘meus’ tesouros mais preciosos.

Se no texto do mês anterior manifestei tristeza em relação aos incêndios e suas causas e suas consequências, também nas ‘nossas’ serras, desta vez prefiro focar-me na grandeza das montanhas, enfim, na grandeza da Natureza e da qual todos somos parte.

A primeira palavra que me ocorre quando penso na montanha é Paz. É possível que tal impressão advenha do som do silêncio e da vastidão que o horizonte percepcionado no alto de um monte, de uma colina, de um pico me proporcionam. Quando a opção recai sobre uma serra mais árida, como a Serra da Freita, o vento na vegetação rasteira, pintada pelo lilás da urze, as melodias de algumas aves ou mesmo o crocitar de algum falcão, são os cantos dos seres que me acompanham. É com atenção que cada passo é dado. Os meus passos e os da minha companhia são os elementos sonoros mais fortes no instante.

Os cinco sentidos ficam em alerta máximo. Se me permito estar e ser em comunhão com a montanha, sou capaz de captar o som mais longínquo, sou capaz de cheirar o odor mais ténue. E, se num dia soalheiro, os meus braços nus são capazes de se arrepiar com uma leve brisa aconchegante. As inúmeras e intensas tonalidades de azul, verde, castanho, lilás, amarelo.... cores que os meus olhos captam sempre com uma mensagem instantânea ao cérebro: parece que aqui tudo é mais vivo, mais real. Pressinto que seja o mais real e verdadeiro que me é permitido sentir, escutar, cheirar, ver, Ser...
Às vezes, páro e fico então com mais elementos para as dúvidas que tanto me perseguem. Mas afinal é tão simples. Mas afinal talvez seja possível viver de forma mais simples, quem sabe mais plena. Porque é precisamente a sensação de plenitude, de totalidade, que os montes e montanhas do Gerês, por exemplo, me concedem.

Às vezes, quando regresso ao bulício, as vozes interiores não cessam. Grasnam, crocitam, uivam, piam, ladram, até... e surgem, então, novas questões... e pergunto-me amiúde se me lembrasse a cada instante que, como todos os seres vivos, sou Natureza e que temos todos a mesma importância, continuaria a agir da mesma forma em relação a tudo e a todos os que me rodeiam.


Se me lembrasse que ao ferir qualquer ser vivo estou, no fundo, a ferir parte de mim, já que os outros seres são uma continuidade de mim, formando a totalidade da Natureza... talvez mudasse um pouco mais a cada dia...

Se me lembrasse sempre desse princípio, que me parece básico, estou certa que jamais voltaria a tratar de modo inadequado a montanha, o rio, a floresta, o mar, os animais, as pessoas...

Creio que uma das formas ‘simples’ de ajudar a alterar a percepção que temos do mundo, do qual fazemos parte é, precisamente, experimentá-lo, vivenciá-lo de forma total, presente. A título de exemplo, é minha convicção (vale o que vale) que, se passássemos mais tempo na montanha, teríamos acesso às suas qualidades: do silêncio, grandeza, beleza, pureza... generosidade incondicional!

A gratidão perante tal generosidade é o sentimento que me envolve sem cessar quando regresso da Montanha...

Creio que se nos lembrássemos todos da nossa pequenez, e simultânea grandeza, seríamos um pouco mais compassivos, condescendentes e amorosos em relação a todos os seres, tal qual a montanha, as montanhas, a serra, as serras o são, oferecendo-se, dando-se incondicionalmente a quem quiser receber o seu ar puro e fresco, o seu aroma doce, a sua música harmoniosa...

Finalmente, que todos os dias sejam dias das montanhas. E que cuidemos um pouco melhor das nossas serras mais ou menos estreladas.




*Este texto foi publicado no Jornal Chapinheiro