Amigo*





 







Amigo, toma para ti o que quiseres,
passeia o teu olhar pelos meus recantos,
e se assim o desejas, dou-te a alma inteira,
com suas brancas avenidas e canções.

Amigo - faz com que na tarde se desvaneça
este inútil e velho desejo de vencer.
Bebe do meu cântaro se tens sede.

Amigo - faz com que na tarde se desvaneça
este desejo de que todas as roseiras
me pertençam.
                               Amigo,
se tens fome come do meu pão.

Tudo, amigo, o fiz para ti. Tudo isto
que sem olhares verás na minha casa vazia:
tudo isto que sobe pelos muros direitos
- como o meu coração - sempre buscando altura.

Sorriste - amigo. Que importa! Ninguém sabe
entregar nas mãos o que se esconde dentro,
mas eu dou-te a alma, ânfora de suaves néctares,
e toda eu ta dou... menos aquela lembrança...

... Que na minha herdade vazia aquele amor perdido
é uma rosa branca que se abre em silêncio...

A 12 de Julho de 1904, Chile era o país onde nascia o grande Poeta do amor – Pablo Neruda.
Vencedor do Prémio Nobel da Literatura em 1971, a poesia do chileno canta o Amor de uma forma extraordinária. Mas Neruda também exaltou a Amizade; exemplo disso é o poema ‘Amigo’ – a minha escolha para celebrar a amizade, com o dia 20 dedicado ao Amigo.
                  Todos aqueles que têm bons amigos sabem e sentem que a amizade é, provavelmente, a ligação mais forte, duradoura, segura, diria mesmo mais tranquilizadora, que se pode viver.
                  Viver – a palavra não é aleatória. A Amizade vive-se, cultiva-se, fermenta-se, rega-se, alimenta-se... Mas mesmo que se passe uma eternidade sem que nenhum dos verbos seja colocado em acção, um bom amigo é sempre um bom amigo. Está lá, está ali, está aqui, está em nós. Baste que ele acene e vamos. Baste que o chamemos e ele acorre.
                  O amigo – e aqui a palavra é sem género ou sexo – é sempre um Amigo.

                  Neste mês de Julho vale a pena evocar (novamente) Nelson Mandela. No dia 18 comemora-se o centenário do seu nascimento. Um século de histórias, um século de lutas pelos direitos humanos. Um século de vidas perdidas e muitas vidas ganhas. Um século de coragem – disso não restam dúvidas.
                  O Homem que se desenhou, projectou e concretizou para um país mais justo e tolerante.
                  Invocar determinadas pessoas é lembrar que a sua história, dedicação e caminho não terminam com a sua partida. De facto, o modo como outros apartheids surgem e crescem (!!??) demonstram como a humanidade ainda tem tanto a fazer, tem tanto a aprender, no que à tolerância e solidariedade concerne.
                  Creio que essa aprendizagem e evolução é muito mais simples do que aparenta ser. Bastaria que aqueles que constroem muros e barreiras se colocassem um instante (eterno), que fosse, no lugar daqueles que sofrem as consequências desses mesmos muros e barreiras. Mesmo que seja um cliché...



*Pablo Neruda, in "Crepusculário"
Tradução de Rui Lage

PS: Este texto foi publicado no Jornal Chapinheiro