Viagem à Índia III – cinco anos depois




Em Agosto de 2017, cinco anos depois de passar cerca de um mês em Pune, Índia, decidi voar novamente para esse subcontinente. Num tempo sem contrários e sem adiar por muito mais o futuro, a escolha recaiu sobre Nova Deli.
Foram necessários mais de dois meses para romper o cerco e finalmente consumar a compra. Nesse período em que vivi uma espécie de suspensão, confirmei a vontade de voltar a caminhar decidindo o primeiro destino, ao mesmo tempo que esperava o resultado de um exame médico de uma pessoa muito querida. Tranquila e segura, comprei a viagem. A partida será em Fevereiro de 2018. Curioso, é o facto de nessa altura perfazer cinco anos que terei aterrado em Melbourne, sob um céu azul luminoso, onde a temperatura cálida me salvou do frio invernal do Porto. Igualmente estranho, para mim, é o facto de ter sido em Fevereiro, mas de 2012, que fui pela primeira vez à Índia – Goa. Também nessa época, os 32º centígrados foram um aconchego, ainda que por apenas dez dias. De Mumbai, só conheço o aeroporto (razoavelmente bem, dado o número de horas à espera das ligações, sobretudo no regresso de Pune, onde perdi o avião...).
Se porventura as frases anteriores soam pretensiosas, os elementos expostos servem apenas para reforçar a ideia de que, pese embora seja a terceira vez que me aventuro sozinha para esse país, é-me difícil afirmar que conheço a Índia. Pelo contrário, Pune e Goa são duas cidades particulares e as experiências aí vividas foram em ambientes assépticos e muito cuidados pelas pessoas e entidades que me receberam.
Assim, mesmo que um dos critérios de selecção dos países a visitar seja a ausência de entradas, repito-me no destino, sem saudades do futuro. Ainda que, e há que dizer, a Índia não esteja na minha lista do ‘tenho de fazer’ antes de morrer.
Muita informação no parágrafo anterior, eu sei. Uma lista? De quantos itens? Quais as categorias incluídas nessa lista? Antes de morrer?
Ora bem... desde 2013 que elaboro uma lista de experiências a viver, lugares a visitar, pessoas a conhecer... antes de morrer. Como diria um amigo, antes de transitar, como diria outro amigo, antes de tudo acabar. Como diriam os budistas, antes de deixar esta vida (a quinquagésima?) ... vulgo, antes de ir desta para melhor, ou pior... antes de me tornar húmus!
Antes de tudo baixar e antes que o tempo me ganhe (ou não), estarei a voar. Será no dia 1 de Fevereiro, para Nova Deli – um destino que não constava naquela lista. O meu rol de lugares imperdíveis é, aliás, bem reduzido. São duas regiões – enormes – que quero experienciar antes de morrer, sabendo que todos os países que me são desconhecidos têm, quase de certeza, o seu encanto. A questão está relacionada com o tempo que me resta de vida. Pelo menos esta – no caso de haver outras, então vamos lá. Mas como não sei se existe alguma coisa para além da morte, quero viver o melhor possível, enquanto me é possível.
Calma! Não faço a mínima ideia de qual o prazo de validade deste corpinho, onde esta consciência habita, mas hoje pode ser o último dia viva e de boa saúde. Não é um chavão! Para mim, é evidente que para morrer basta estar viva. A morte é, seguramente, a única certeza que tenho nesta vida, sempre em mudança, impermanente. Assim sendo, repito-me: quero viver o melhor que sei e que posso, antes que o vazio me preencha e o silêncio me cale.
Estando de boa saúde, com alguns trocos no bolso (ainda que apenas o suficiente, mas o suficiente tem sido suficiente), comecei a sentir que estaria a criar ‘raízes’, como brincam os meus companheiros da Quinta. Cheguei do Rio de Janeiro no dia 25 de Setembro de 2016! Apesar de já ter voado (para a Madeira), não saio de Portugal há um ano, um mês e onze dias. Em Fevereiro, essa soma será muito mais avultada. Não é ironia, é uma necessidade de conhecer, de aprender, de desinstalar rotinas, de reinventar os dias, de crescer... cá dentro. É, talvez, uma insatisfação insaciável, mas de quê? Ainda não sei. Só sei que preciso aprender... como quem precisa repousar. E quero fazer a minha parte, quero fazer o que está ao meu alcance para, contrariamente à personagem Palomar, de Italo Calvino, sentir que a minha vida foi mais do que uma sucessão de ocasiões falhadas.
E então, porquê Índia, porquê Nova Deli? Pois bem. Os dois destinos na minha lista primordial são os Himalaias e a Patagónia, com a Terra do Fogo. No que ao segundo destino concerne, as sementes foram lançadas desde que optei por regressar a Portugal. Aliás, quando viajei para o Rio de Janeiro o ano passado, a mala ia preparada com a mochila para prosseguir viagem. Não obstante, depois de quase quatro meses a trabalhar para os Jogos Olímpicos sentia-me exaurida. Já para não dizer, confesso, que ‘morria’ de saudades dos meus amores e ainda não conhecia a minha ‘pseudo-sobrinha’ mais nova, nascida enquanto eu estava na terra do Samba. De maneira que, é verdade, adiei ir à Argentina. De qualquer modo, viajar por viajar também não é o meu registo, tão-pouco o de obter mais um carimbo no passaporte. Poucos dias depois de ter assentado arraiais (mas pouco, já se vê) comecei a envidar esforços (ainda não reconhecidos, ainda!) para ser chamada para Buenos Aires.
Enquanto isso não acontece... a vida não pára e o tempo é o meu maior tesouro. Daí que o queira desfrutar do modo que me parece mais adequado. E nesta fase pressinto que é apropriado agradecer a vida que me é concedida, glorificando-a, nomeadamente, indo até ao outro local que mais gostaria de visitar: o Tibete. Em concreto, realizar um trekking nos Himalaias. Pelo que me vou informando – estou a iniciar o trabalho de casa –, para entrar no Tibete e para aquele objectivo, é fundamental integrar um grupo autorizado, cuja saída é, geralmente, de Katmandu.
Nepal era o destino que tinha em mente. Nepal e Tibete, vá. Quando comecei a verbalizar esta minha vontade, uma das companheiras da Quinta perguntou-me: “E porque não ir para Katmandu, via Nova Deli? Já viste os preços? Costumam ser muito mais económicos...”
Aceitei a sugestão depois de pesquisar. De facto, a viagem é menos um terço do valor. Dava que pensar. E dá que pensar que no dia em que escrevo, já com o bilhete comprado para Nova Deli, as escolas da cidade indiana tenham sido todas fechadas... devido aos níveis de poluição. Dá que pensar.


A opção foi reflectida. Muito. Houve várias coisas a ponderar e até por que esperar. No dia em que fiz o clique para efectuar a compra, tudo me parecia possível. Continua a parecer. E ter em conta a distância de um dia desde essa megacidade até ao Taj Mahal, e ter em conta que terei oportunidade de rever pessoas que conheci noutros lados do mundo, e ter em conta que em Varanasi, de onde pretendo tomar o comboio para Katmandu, terei oportunidade de ir à margem do Rio Ganges, e ter em conta que terei finalmente a ocasião de conhecer parte desse subcontinente, faz-me acreditar que terá sido, é, será, uma resolução deveras interessante e, porque não dizê-lo, desafiante.
Será que um mês no norte da Índia é suficiente?

8 de Novembro, de 2017
Porto, Portugal

PS1: Para além das duas viagens mencionadas, só tenho mais três itens na minha lista: viver uma experiência, conhecer um escritor que muito aprecio e conversar com uma pessoa... talvez um dia destes.
PS2: As fotos aqui partilhadas ainda! não são ‘minhas’.