Viva a infância...*






O Dia Mundial da Criança inaugura o mês de Junho. Aproveito a oportunidade para felicitar o meu querido primo Zé Fernando, que celebra o seu aniversário nesta data. Do que me é dado a conhecer e pelos anos que vivemos juntos, creio que este dia se adequa ao Zé. Alegre e bem-disposto, sempre de bem com a vida, tal como uma criança.
Na verdade, sinto muito que não me felicitem nesse dia. Continuo a adorar a infância. Para mim, ser criança é estar continuamente receptiva, de forma inocente; sobretudo aberta a tudo e a todos os que me rodeiam: deslumbrando-me a todo o momento. Aceitando sem julgamento e crítica o que a vida concede. Por isso, para as crianças, aquelas que ainda não têm a noção do bem ou do mal, tudo está bem, tudo é o que é, e quase tudo deslumbra.
Ser criança também é (e muito) viver num mundo próprio. Um mundo cheio de cores alegres, muitas brincadeiras. Se possível com muita liberdade - a liberdade de ser apenas, sendo tanto!
Para mim, a fase da infância é a mais plena, aquela em que tudo é possível. Aquela em que ainda não se sofreu todas as formas de socialização, educação, diria mesmo, formatação social. Daí que ser criança seja um estado de graça a cultivar. Aquele em que se descartam todos os perigos socialmente criados. Lamento, porém, que muitos desses perigos sejam actualmente os motivos que impedem as crianças de serem efectivamente crianças.
É inevitável ser atravessada por uma onda de nostalgia, quase me rasgando o coração ao observar muitas crianças que me são próximas. Corro o risco de ser acusada de bota elástico, contudo, sinto muito que as brincadeiras com o Zé Fernando, por exemplo, não sejam assim tão fáceis para as crianças de hoje.
Jogar à macaca, participar em pseudo-torneios de bilas, pião, caricas, elástico, sirumba e o mata está nos antípodas das ‘minhas’ crianças. Jogar futebol na rua, ir para o parque de baloiços sem a supervisão de adultos e, por conseguinte, sem a participação adulta é algo quase impossível. Pelo menos para as crianças que me rodeiam.
Às vezes tenho a sensação que nem tempo têm para serem crianças, qual horário cheio de actividades e quantidade de trabalhos de casa. Os trabalhos de casa do meu querido sobrinho Gonçalo afligem-me, até. Através dele e do meu querido afilhado Hugo, percebo que desde o primeiro ciclo existe uma competição generalizada (e exagerada!) em relação ao sucesso escolar. Confesso que estou assustada com os modos da escola, com os modos de avaliação, com a quantidade e complexidade das fichas de trabalho, com... sei lá...
E brincar? É que depois do dia inteiro na escola, porque a segurança percebida é cada vez menor, é fundamental que as crianças estejam ocupadas (entretidas, diria) em actividades orientadas por adultos: ballet, piano, inglês, ginástica, violoncelo, natação e muitas outras. Eu também pratiquei algumas actividades e ainda bem! Os meus pais proporcionaram-nos esse tipo de espaços para crescermos de forma integral, harmoniosa e equilibrada (o possível, já se vê...). Não obstante, nessa época, havia tempo para isso e muito mais. Havia muito tempo para ser criança. Tempo para nos deslumbrarmos e confiarmos que o mundo girava à nossa volta (tão-pouco isso estava em questão). É por isso que é tão bom ser criança. Somos o centro do mundo!
Quando a idade cronológica avança, mas ainda se quer ser criança, a responsabilidade aumenta, pois é com consciência que criamos o mundo em que queremos viver. O mundo da criança está pintado do azul do céu, é decorado com arco-íris, as borboletas voam sem cessar, sente-se o aroma dos morangos muito vermelhos e é habitado por muitas vozes mais ou menos conhecidas e por animais mais ou menos reais. Às vezes é uma floresta mágica, onde as fadas e os gnomos ‘trabalham’ para manter a alegria colorida, para que o sorriso – entremeado por lágrimas – seja uma semente sempre a germinar, transformando-se... devagar em flores e também devagar em frutos. Devagar.
O tempo na infância não existe. Quanto são dois meses? Quando é outra vez Sábado? Esta pergunta, aliás, tantas vezes repetida pelas crianças demonstra a sua ânsia para serem aquilo que são: crianças. Como se apenas pudessem ser a totalidade de si ao fim-de-semana. E nós, adultos, também ansiamos esses dias de pausa, arrisco a dizer, pelos mesmos motivos. Para voltarmos a ser crianças...

* Este texto foi publicado no Jornal O Chapinheiro


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