À espera




            Guardo segredos na mochila. Memórias de odores de assentos de autocarro, barco e comboio. Cheiros de chão de muitos lugares onde parei para esperar. Saber esperar – uma das três aprendizagens de Siddhartha. Aprender a jejuar e a pensar, as outras duas que a personagem de Hermann Hesse tinha como objectivos de vida.
É com muita frequência que me observo em situações, nas quais escuto uma voz interior sussurrar-me com veemência: Tens de aprender a esperar; confia. Sem que nada faças, nada ficará por fazer – conforme um dos versos do Tao. E, com efeito, há cerca de três anos que pressinto que essa é uma das grandes aprendizagens da minha vida. Saber esperar. Confiar que tudo acontece no tempo e espaço certos.
Não significa isto que não tenha de realizar, de trabalhar, colocar em prática o que é necessário para continuar a caminhar. Quer antes dizer que, após efectuar e empenhar-me o melhor que sei e posso em determinada tarefa para alcançar o que me propus, nada mais há a fazer. Sem precipitar os acontecimentos, sem forçar as situações, sem insistir com as pessoas de quem aguardo resposta, sem provocar encontros, sem desejar que os meus objectivos se concretizem do modo que eventualmente gostaria que acontecessem. Nada disso.
Como num jardim ideal e idílico, preparo a terra, arando-a. Aguardo que seja o tempo mais propício para plantar as sementes. Depois, com cuidado, verifico a necessidade de regar. Depois, vou observando atentamente, sem pressa o que é visível, compreendendo que a semente soterrada, sem luz, vai germinando. E, no tempo certo, surge o primeiro laivo de vida apreensível aos meus olhos. Sem que nada fizesse, mas sem que nada ficasse por fazer. A chuva terá feito o resto. Afinal, nem sequer era necessário regar. Bastou observar e confiar.
E, no tempo certo, aquele primeiro centímetro visível vai crescendo, crescendo. Até que finalmente o botão ganha forma. Até que finalmente com um raio de luz a iluminar aquela vida sem pressa, as pétalas abrem, qual palete divina. E a flor resplandece e o sorriso da testemunha transmuda-se em riso.
As mãos não resistem. Tocam sem agarrar no tecido colorido das tulipas de fogo em flor. Sentem a textura e chamam as narinas. O rosto desce e o nariz inala mais um odor e outro odor. A terra ainda húmida da noite de chuva, o aroma adocicado do gineceu e androceu.

Contemplando, sob o céu azul saturado, a testemunha recebe, enfim, o esperado telefonema. No início de mais uma tarde no jardim, escrevendo... nem sempre... os olhos como que se desviam para as laranjeiras, para as camélias cor-de-rosa e para as tulipas, desta vez muito vermelhas. Num desses devaneios as mãos interromperam-se, desta feita para atender uma voz a falar português, é certo, mas do Brasil! Diga-se de passagem que ao visualizar um número tão extenso, reconheci a aceleração do ritmo cardíaco. Seria? Era! “Oi, Ana! É para saber se está disponível para trabalhar connosco na coordenação dos Jogos Olímpicos. Gostámos da sua prestação como voluntária no evento-teste em Outubro passado, analisámos seu currículo e queremos saber se está interessada em se juntar ao nosso time... para trabalhar!”
A mochila estremeceu de contentamento. A testemunha prepara-se, agora, para voar novamente para o outro lado do mundo... A mochila regozija-se; está pronta para guardar mais segredos, para arquivar mais lugares de comboio, autocarros e, em quem sabe, barcos e lanchas...

Março, 2016
Matosinhos, Portugal
 

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