John, um jovem americano, advogado, de férias no Belize.
Trabalhava num escritório de produção cinematográfica em Hollywood. Estava
sempre a coçar o corpo e falava num tom marcadamente nervoso.
Conheci John em
Caye Caulker, uma das ilhas belizianas, para a qual muitos se deslocam por
causa do Blue Hole – uma das grandes maravilhas do planeta. Neste caso, no
maior recife de coral do hemisfério norte. Exemplo disso era Andy, um alemão que
aproveitou as suas férias de Verão para realizar um curso de mergulho na ilha,
no final do qual teve o privilégio de mergulhar no grande Buraco Azul.
Mark,
holandês, com pouco mais de trinta anos e já um grande sucesso de
empreendedorismo nos Países Baixos. Também estava de férias nessa ilha do Caribe.
Sempre bem-disposto, rindo e sendo agradável com todas as pessoas, sobretudo
com as mulheres com quem se cruzava. Numa das ‘hamacas’, lia um livro do género
de crescimento pessoal. Aprendia, afirmava o rapaz charmoso, que só estando bem
na sua pele alcançaria a felicidade. O seu sorriso vagueava entre o fácil e o
muito fácil, iluminando um rosto de feições bonitas (para o meu gosto), com
olhos verdes claros. De cabelos loiros e ondulados e do alto dos seus cento e
noventa centímetros, facilmente me encantou.
Além
de Mark, Andy e John, outros e outras se juntavam ao fim da tarde na mesa
exterior do Bella’s Backpackers hostal, onde trabalhei duas horas por
dia em troca da dormida. Foi na minha segunda noite na ilha que começaram os
‘drinking games’, por iniciativa de Glenn: um australiano, antigo jogador de
rugby, mas que, por força de uma lesão, se viu obrigado a abandonar uma
carreira desportiva promissora. Glenn era viajante. Terminaria daí a uma semana
a sua longa viagem – seis anos! Terá, com toda a certeza, um baú repleto de
memórias, fotografias e muitas histórias para partilhar. Estou certa que a
herança que lhe permitiu essa vivência não ficará por contar. Pelo menos foi
essa a ideia que passou àqueles que com ele aprenderam inúmeros jogos, durante
os fins de tarde cálidos em Caye Caulker.
Quantas
garrafas de rum e cola se esvaziaram é difícil contabilizar. Através da
desinibição, provocada pela ingestão do seu conteúdo incalculável, muitas
histórias se partilharam, nomeadamente a de John. Percebemos então porque se
coçava tanto. Um jovem que ilustrava um dos paradoxos contemporâneos da
competição em Harvard.
Apesar
de ser advogado há pelo menos três anos, John ainda necessitava, e
provavelmente ainda mais, de continuar a tomar uma série de substâncias
químicas. Estupefacientes para estudar – a cocaína era um dos seus preferidos –
de forma continuada e concentrada. Estupefacientes para descansar após a época
de exames. Estupefacientes para se manter desperto ao longo do dia.
Estupefacientes para se divertir q.b. Estupefacientes para relaxar quando
necessário. Os últimos não deviam surtir grande efeito, já que as suas mãos não
paravam – coçavam as pernas, os braços ou levavam os copos de rum com cola à
boca. Estupefacta estava eu enquanto escutava o quotidiano de um jovem
universitário americano, cujo colapso nervoso me parecia inevitável, num futuro
não muito longínquo.
Contrariamente,
Andy, um alemão com quem corri na ilha, era um jovem muito tranquilo. Irradiava
serenidade no seu sorriso silencioso e terno. Falava apenas quando lhe dirigiam
a palavra e o resultado era uma piada espirituosa que nos fazia rir. Note-se
que o rum ajudava a elevar a intensidade das risadas.
A risota
aumentava à medida que as horas avançavam e com as confidências que entretanto
se iam efectuando em jogos do tipo ‘verdade ou consequência’. Glenn era um
animador profissional e Mark soltava o seu charme para as jovens que se iam
juntando à mesa antes de irem dançar num dos bares da praia.
John, porém, não
tinha forças para essas andanças. Ao início da noite, o seu estômago
revoltava-se com as misturas e, sozinho, ia deitar-se, não sem antes tomar algo
para dormir...
Fevereiro de 2016
Matosinhos, Portugal
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