Dei por mim
a embarcar no ferry com destino a
Ometepe por sugestão de uma alemã linda que conheci em Xela – sem dúvida a
maneira mais fácil de nos referirmos a Quetzaltenango, a segunda maior
cidade da Guatemala. Christine, professora numa instituição que acolhe pessoas
com síndrome de down, tal como o seu
irmão. Prefere viver em Zurique, a distância necessária em relação a uma
família um tudo-nada problemática. A empatia aconteceu desde o primeiro momento
em que começámos a conversar, sobretudo em espanhol. A alemã passara duas
semanas em Antígua, em
casa de uma família para aprender espanhol. Por isso ligávamo-nos nesse idioma.
Às vezes em inglês também, quando o nosso vocabulário e gramática não se
mostravam suficientes para nos expressarmos.
“Se
estás na Nicarágua, não podes perder a ilha Ometepe” – aconselhou via messenger. Agradeci a sugestão desde o
momento em que, na proa do ferry,
observava a ilha a aproximar-se.
Reservei
duas noites num hostal e, logo à
chegada, indaguei a possibilidade de alugar uma bicicleta. Muito fácil, isso
supusera aquando do trajecto entre o cais e o albergue. Às oito horas da manhã
seguinte já estava pronta para pedalar pelos caminhos da ilha.
Ah... a criança que em mim habita fica sempre
extasiada cada vez que começa uma descida, cada vez que o vento roça no rosto e
os cabelos – nessa altura tão compridos como nunca – esvoaçam ao ponto de
ficarem todos erriçados, impossíveis de serem posteriormente traspassados pelos
dedos. Do que me vou conhecendo, andar de bicicleta é a actividade que mais me
rasga sorrisos. Claro que a paisagem arrebatadora era o ingrediente mais
relevante.
No caminho até à Playa de Santo Domingo, o vulcão
Concepción provocava-me arrepios. Que
imponente! As nuvens muito brancas que o envolviam formavam uma bruma mágica
que tornava o meu passeio ainda mais encantatório.
Fiz uma pausa para um ‘café solo’ numa esplanada na praia.
A companhia foi bem recebida – uma Calocitta
formosa (ou gaio-rabudo, prefiro sua nomenclatura formal). Uma ave curiosa
que se ‘sentou’ ao meu lado debicando o pedaço de pão com queijo que com ela
partilhei.
Da praia segui para El Ojo de Agua. Estava preparada
com o fato de banho, sabendo que as águas termais me deliciariam. E, com efeito...
Aí me deleitei num descanso aprazível e merecido, desfrutando das águas cálidas
e sorrindo com os mergulhos dos mais arrojados. Dessa vez coibi-me de saltar.
Talvez pressentindo a fragilidade dos meus ouvidos.
Os dias, as horas e os minutos voam quando escolho a
bicicleta como meio de transporte. Presumo que se deva ao facto de vivenciar um
prazer que me preenche sobremaneira. De tal modo, que, quando me apercebo, o
dia está quase no fim. Não era bem o caso; ainda tinha tempo para almoçar
tranquilamente antes de entrar no Paraíso das Borboletas – uma reserva por onde
deambulei pelo menos duas horas. Além das borboletas –
posso dizer que fico sempre deslumbrada cada vez que um desses insectos
maravilhosos se cruza com o meu olhar –, a vista admirável do Lago Nicarágua comovia-me
a cada momento. A vegetação exuberante vivamente habitada era mais um elemento
que despertava todos os sentidos. A pele arrepiava-se e os suspiros de gratidão
sucediam-se instante a instante.
À saída do paraíso, o olhar colou-se novamente ao
vulcão e as pernas, ainda que trémulas pela emoção, voltaram ao movimento que a
bicicleta docemente convidou. Em grande velocidade pedalei até ao ponto de
partida. Se chegasse antes das seis da tarde teria oportunidade de contemplar –
tal como no fim de tarde anterior – o pôr-do-sol.
Cheguei a tempo ao local seleccionado. Na plateia do
cais já outras pessoas, também atentas, admiravam a bola de fogo na sua descida
exuberante. O cor-de-laranja pintava o céu, que se transmudava em cada instante.
Tudo passa, tudo muda, mas muito se pode guardar neste coração infantil. Muito obrigada,
Christine!
Março de 2016
Matosinhos,
Portugal
Sem comentários:
Enviar um comentário