Foi (quase) um
acaso ter tido o privilégio de contemplar in loco Machu Picchu.
Foi um acaso
estar em casa na tarde em que o processo de venda da casa se iniciou: uma
terça-feira chuvosa impediu um passeio com L. no Gerês – almoçámos e colocámos
a conversa em dia.
Não foi por
acaso que a K.R. me convidou para participar num congresso sobre os Jogos
Olímpicos em São Paulo, em Outubro de 2014.
Talvez tenha
sido um acaso que a marcação dessa viagem ocorresse um dia depois de assinar o
contrato de promessa de compra e venda da casa.
Terá sido um
acaso encontrar o R.: “Vais ao Chile? Porquê, se queres conhecer algo
completamente diferente, o Peru é muito mais interessante”.
Olhei para ele
com um sorriso em chama.
Acasos... a vida
tem-me mostrado que tudo tem uma razão de ser e para acontecer – assim é, se
estiver atenta e se confiar.
Se o clima o
tivesse permitido, teria ido pedalar para a serra que mais me enche com L.,
naquele dia de 12 de Agosto de 2014. Se tal tivesse sucedido, não teria
escutado a campainha, nem tão-pouco o vizinho da frente: “Oh vizinha, ainda tem
a sua casa à venda? Está aqui um casal meu amigo que está interessado em ver o
seu apartamento”. A A. e família entraram e gostaram. Saíram por dois minutos e
voltaram a entrar. No fim-de-semana seguinte voltavam para nos comprometermos
mutuamente.
Na
segunda-feira subsequente havia que marcar a viagem para São Paulo. Uma vez que
estava prestes a ficar sem poiso fixo, arrisquei: “É possível marcar a viagem
de regresso apenas em Dezembro?” A resposta afirmativa não tardou. E porque
não? Sem compromissos laborais, económicos... apenas (e tanto) os laços
familiares e de amizade: aqueles que importam e que jamais se perdem quando são
verdadeiros e se os soubermos preservar, apesar da distância física.
No início desse
mesmo ano, ao efectuar a lista das experiências que gostaria de viver, colocara
uma viagem ao Chile no ponto número um. Tal era o meu desejo, que desenvolvi
uma curta história – Um
corte no pé (ainda por terminar... quem sabe um dia destes) –, na
qual a personagem principal aterra em Santiago do Chile. Projectava assim, como
que visualizando, a concretização antecipada de um sonho.
Tenho
aprendido, todavia, que os planos ‘devem’ ser um esboço flexível e amplamente
aberto a novas possibilidades. “Um bom viajante não tem planos fixos nem
tão-pouco a intenção de chegar”, crê-se que terá dito Lao Tze, mais ou menos
deste modo. Não sei se sou boa viajante, de qualquer maneira, nos últimos anos,
tenho voado apenas com duas ou três noites reservadas... de resto, confiando
que tudo fluirá.
Assim sendo,
quando numa volta de bicicleta parei para beber água no passeio que ladeia a
margem do Rio Douro – os bancos de jardim, perto do Clube Fluvial,
estrategicamente colocados para contemplar a foz são para mim, sem dúvida
alguma, uma das plateias mais bonitas da cidade do Porto... quando a sede me
impeliu a uma pausa, vi o R. Já não nos víamos há uma série de anos. Contei-lhe
muito satisfeita que estava de viagem marcada para a sua terra natal. O R.
abandonou o Brasil há cerca de quinze anos para tentar a sua sorte como
instrutor de fitness – um dos profissionais que mais respeitava enquanto
andava nessas lides.
Observo-me
com frequência a falar pelos cotovelos,
em particular quando algo extraordinário está para acontecer. Era o caso. Ia
viajar pela América do Sul por quase três meses, quase por acaso. E ia ao
Chile, dizia eu muito satisfeita ao R. “Ao Chile? Porquê? Se o teu objectivo é
conhecer lugares e culturas distintas, porque não antes o Peru? Nesse país
ainda encontras cidades, lugares, pessoas com modos de vida realmente
diferentes dos que estamos habituados”. Presume-se, e bem, que estas palavras
são minhas, mas esta era a ideia da mensagem do R. E guardei. Só embarcaria
para São Paulo daí a três semanas. Até lá poderia traçar um proto-itinerário de
viagem.
Despedi-me do
R. com um abraço. No instante seguinte já estava a viajar pelo Peru, com a
música de regresso aos ouvidos e pedalando e cantando.
Quase todas as
viagens começam muito antes de se embarcar. Preparar, visitar virtualmente ou
através de livros os locais que se pretende conhecer são já formas de nos
deslocarmos para o futuro. Quase antecipando o contentamento de tocar o solo de
um porvir que se deseja próximo. A vida também me vem transmitindo que as
expectativas são projecções a evitar. Como quase todas as suposições,
especulações e outras formas de ‘futurização’. Não estou a ser contraditória.
Nessa preparação, procuro desviar-me das expectativas ou de esperar isto ou
aquilo em relação à beleza dos lugares ou ao que as pessoas possam vir a fazer
ou a dizer. Os meus devaneios direccionavam-se, sobretudo, para o privilégio
que já estava a experienciar.
Naquele momento
eu estava na posição singular de optar pelo Chile ou escutar a sugestão do R. e
ir ao Peru. E se a hipótese de ir ao Peru era confirmável, o primeiro destino
que naturalmente me ocorreu foi Machu Picchu.
No dia seguinte
comprei a passagem de avião desde São Paulo para Cusco, a cidade peruana mais
próxima de uma das maravilhas mais maravilhosas do planeta.
Janeiro, 2016
Matosinhos, Portugal
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