Na pele de um rinoceronte



Posso tocar? O cuidador anuiu. Não hesitei. A pele do rinoceronte bebé era muito mais dura, muito mais grossa e, ao mesmo tempo, muito mais macia do que imaginava.

O dorso cinzento da cria de nove meses era uma camada protectora forte. O relevo das marcas na pele jovem era tão suave como o seu olhar - quando se desviava dos ramos e folhas para perscrutar a sua observadora.

Saltitei, deslumbrada como se tivesse seis anos, na sua direcção logo que o avistei. A indiferença do animal selvagem surpreendeu-me. Talvez por estar entretido na sua ruminação, como se meditasse. Sentado a seu lado, um homem de cabelo preto recentemente pintado, com olhos rasgados no seu rosto tisnado pelo sol nepalês: o seu cuidador. Informou-me quase no final do encontro. Ah... Até aí ignorava a razão da sua presença, tão-pouco a utilidade da cana de bambu à sua frente e menos ainda o esforço que aparentava fazer para não a usar.

Tenderi estava ferido. Caiu na casa (?), justificou o homem, sem tirar os olhos do telemóvel. Vi sangue em várias partes do corpo. Uma ferida no focinho, uma ferida numa pata, duas feridas no dorso, uma outra numa perna. O jovem animal continuava a intrigar-me. Não parecia nada de grave, mas tendo em conta que os rinocerontes órfãos ficam sob cuidado humano até aos três anos, antes de regressarem à selva - neste caso, para o parque nacional de Chitwan -, presume-se que seja para estarem protegidos dos grandes predadores e outros perigos.

Foi Raj Indra, o guia do sítio onde me hospedei, que me deu a saber a origem do jovem Tenderi. Durante a conversa com o seu cuidador, se é que se pode considerar conversa (as poucas palavras que aprendi em nepalês eram insuficientes para aprofundar o assunto), não me foi possível perceber que o rinoceronte bebé era órfão. Na verdade, a proximidade que me permitiu tocá-lo, sentir a sua pele, escutá-lo e observar a sua boca ruminante, emocionou-me ao ponto de ficar confusa quanto à causa das lágrimas que tentei reprimir. Os olhos húmidos resultavam da alegria da minha criança e da tristeza pelo eventual (?) sofrimento da 'criança' rinoceronte.

O guia atenuou parte da angústia causada por aquele encontro. Pelo menos existem alguns cuidados em relação às crias que perdem os seus progenitores. Pelo que percebi, esta é uma forma de os proteger de grandes predadores, como o leopardo, uma das espécies que vivem naquela área protegida.

Na manhã seguinte, durante o passeio ao amanhecer: outro bebé, outro toque, outra emoção, mais angústias. Um elefante bebé. Outro cuidador que o trazia a passear, como se de um animal de estimação se tratasse. Também senti a pele desta cria, cuja reacção me fez novamente transbordar. O som que emitia era uma novidade, uma espécie de guincho, dando-me a sensação de que estaria a gostar e queria mais (ou talvez fosse o que a minha criança queria acreditar).

Mas o seu cuidador estava com pressa e tive de me contentar em passar a mão por um minuto. E que minuto... Os pêlos negros da pele cinzenta esbatiam a sua rugosidade. Enquanto a mão se movia, tentando agarrar as sensações, para mais tarde as transpor em palavras, o cérebro processava as novidades que o tacto lhe providenciava. A memória deste sentido ficou ainda mais rica.

A minha criança deslumbrava-se.

Não obstante, a pessoa que em mim habita ficava ainda mais em cuidado. Aquele jovem elefante, como muitos outros em Chitwan e outras partes do mundo, estava a ser domesticado, a fim de ser mais um dos entretenimentos para os milhares de visitantes do Parque Nacional.

Pergunto-me se, pelo menos por algum momento, se, pelo menos um ou outro visitante se tenta colocar na pele de um rinoceronte ou de um elefante... quando se deixa passear em cima da sua pele...


15 e 18/04/2018
Chitwan, Nepal
Nova Déli, Índia

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