Maio, ao Sol*

       
         Quando se desliza de forma elegante pela superfície dos dias, ou de modo consciente pelos caminhos do tempo, é possível distinguir o sorriso de uma criança.
            Desenrugando a testa, elevando o olhar e estendendo os braços, é possível captar os raios silenciosos da grande estrela: o Sol. Para a sua celebração, além de muitas outras ocasiões mais ou menos festivas, estipulou-se o dia três de Maio, para que nos lembremos de homenagear - pelo menos neste dia - a nossa principal fonte de luz, fonte de vida.
            Num céu de silêncio, ao amanhecer, escolho, com frequência, alongar os meus dias, iniciando-os em contemplação. Caminhar, correr ou mesmo sentar-me na primeira hora do dia, dá-me oportunidade de inspirar a espessura do Sol nascente. Observo a transmudação das cores: o cor-de-laranja passa a amarelo dourado e, sem que me dê conta, o sol está mais alto num amarelo pálido, quase branco. Os seus raios atravessam as árvores, escorrendo em fios de luz até ao solo vibrante. As copas resplandecem num verde exuberante e as folhas exalam o vapor de um orvalho que se vai dissipando... devagar.

            Maio, quando a Primavera segue embalada no azul dos dias imensos, ao som da sinfonia das aves multicolores, é o mês que mais aprecio. O meu mano faz anos, por exemplo. Mas não só.
            Enquanto estudante universitária, havia uma semana de boas razões para a minha preferência. A enxurrada de memórias formiga incessante... o sorriso é acto contínuo.
            Enquanto professora na faculdade era, igualmente, com regozijo que recebia essa semana académica: uma semana sem aulas - umas quase férias.
            Nos dias que correm, o meu olhar inunda-se de emoção, pelas minhas amigas que recentemente são mães pela primeira vez. Aquelas que admiro profundamente pela coragem de seguir os seus anseios maternais, mesmo depois dos quarenta anos.
            As noites serenas e suaves, em que a lua cheia nos presenteia com a sua luz morna, enchem-me o coração, recordando-me que a liberdade vai e vem, quantas vezes como as marés. Talvez seja por esse motivo que se terá instituído um dia para celebrar mundialmente a liberdade de imprensa, também a três de Maio.
            Inspiro profundamente, uma, duas, três vezes e prossigo, reflectindo sobre a liberdade de um modo geral e a de imprensa em particular. Os olhos doem-me com as notícias que a cada dia nos pesam, enfraquecendo e, em muitos locais, aniquilando as acções e operações de quem se arrisca a divulgar o que nem sempre é desejável que se torne púbico.
            A realidade contaminada rompe muitos corações. Mas a resignação fatalista também não é visível, tão-pouco, aceite por aqueles que se entregam a salvar vidas. Refiro-me aos médicos e enfermeiros que edificam uma das maiores, senão mesmo a maior instituição humanitária do mundo: a Cruz Vermelha. Como o seu fundador, Henry Dunant, nasceu a oito de Maio, escolheu-se esse dia para enaltecer todos quantos se dedicam às vítimas, tendo como princípios de acção a humanidade, a imparcialidade, a neutralidade, a independência, a unidade, a universalidade e o voluntariado. Princípios que, apenas na aparência, são facilmente colocados em prática no quotidiano de todos nós. Com efeito, as notícias que nos chegam de muitos lugares mais ou menos distantes revelam, tristemente, como os homens agem sem qualquer sentido de humanidade.
            A mim, cabe-me, com a liberdade que me é conferida, pelo menos lembrar que, mesmo que não tenha capacidade de acção ou de decisão a um nível macro, tenho o poder de contribuir a cada instante para o bem-estar das pessoas que me rodeiam. Cabe-me, dentro do que me é possível, aplicar e viver os mesmos princípios da Cruz Vermelha, em cada interação social em que me envolvo. Sejam as pessoas mais ou menos próximas. Todas são, sem excepção, seres da mesma Natureza.
            Além de outras comemorações em Maio, o dia vinte e dois é dedicado ao autor português. É-me impossível deixar passar esta oportunidade... No dia sete estaremos na Casa do Povo de Nogueira, a fim de apresentar o livro Borboleta Azul, um postal da América Latina. Aí, o leitor e a leitora encontrarão diversas crónicas do Chapinheiro que foram escritas enquanto além-mar. Será, certamente, um dia muito feliz para mim, pois haverá tempo e espaço para partilhar as experiências vividas com as pessoas de Nogueira. São, pois, todos muito bem-vindos nessa tarde do dia de todas as Mães.
            Desta vez posso terminar esta crónica com um até já, Nogueira do Cravo! E muito obrigada ao Chapinheiro pela alegria de poder contribuir, de alguma maneira, para o jornal da nossa Aldeia. 

*Este texto foi publicado no Jornal O Chapinheiro

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