Wakeboard... Ou... tricô no rio


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A minha primeira experiência de Wakeboard foi como espectadora na Ilha do Ermal, Vieira do Minho. Fui com a S e uma amiga sua. Fomos assistir a uma competição integrada no campeonato nacional, após um dia bem passado na Serra do Gerês – um dos meus lugares. Diria mesmo que a Serra do Gerês é dos locais mais belos que conheço. Bem sei que nas muitas caminhadas pelos trilhos muito verdes, nos passeios de ‘bicla’ sempre a abrir, nos inúmeros banhos nas cascatas de água gelada e na contemplação do silêncio da natureza, tive sempre uma companhia à altura – um ingrediente deveras relevante para tornar aquela serra num lugar ainda mais especial.
A dois ou em grupo, a Serra do Gerês é, sem dúvida alguma, um dos lugares mais extraordinários para mim. De tal modo aprecio o seu esplendor, que quase me desviei da intenção inicial: a de contar uma das experiências mais frustrantes da minha vida. A de me sentir uma nulidade, incompetente e demais adjectivos que se possam aplicar à incapacidade de realizar uma prática, neste caso, a prática de Wakeboard.
Foi num Domingo azul. Amanheceu cinzento, mas o céu sabia que nós iríamos passear de barco no Rio Douro. Nós: as amigas, as ‘as gajas’ que nos reunimos uma vez por mês para nos rirmos (muito), para chorarmos (às vezes), para comermos e bebermos (demasiado). Nesse Domingo encontrámo-nos (não todas) para experimentar Wakeboard. A M convidou-nos para nos deliciarmos a bordo da lancha do N, o seu mais que tudo.
Uma estreia para mim, em relação à qual não sentia particular entusiasmo. A água gelada é sempre um óbice às actividades aquáticas, quer no rio, quer no mar. Mesmo vivendo perto do mar por estes dias (o que muito me alegra), nunca senti vontade de experimentar o Surf – uma prática comum aos meus companheiros da Quinta de Monserrate, bem como da minha amiga P: está quase pró. Assim como também nunca experimentei o mergulho: fiquei-me pelo snorkeling (as potenciais otites também concorrem para evitar as profundezas). Digam o que disserem, os fatos com vários centímetros de protecção não são suficientes para esta menina. Não é à toa que prefiro os países mais cálidos. Mesmo sendo uma bela tarde de Maio, a temperatura no Porto ainda não (me) convidava a grandes aventuras na água – a opinião de uma friorenta certificada.
A eventual renitência em entrar na água quase se dissipou ao contemplar o N a deslizar com muita graça e elegância, sobre a ondulação provocada pela deslocação da lancha. Foi o único que se aventurou a entrar na água antes do repasto, que entretanto foi servido no barco. A M, sempre muito gentil e cuidadosa, preparou uma quiche vegetariana para mim, enquanto os demais se lambuzaram com satisfação com um senhor frango assado. O acompanhamento líquido estava à altura da ocasião: caipiroscas de caramelo e frutos vermelhos. Um elemento que incrementou ainda mais os níveis da boa-disposição, estimulando as línguas mais ou menos viperinas e as conversas mais ou menos picantes, só refreadas pela presença de duas crianças: as filhas da P e do N.
De disparate em disparate, tive a infeliz ideia de lhes contar o meu passatempo à época (estávamos em 2013): tricotar – para mim, uma prática meditativa, durante a qual tomei grandes decisões nesse ano: partir três meses em viagem pela Austrália (só estive um, mas isso fica para depois) e retirar-me da faculdade (onde trabalhei os treze anos anteriores).
O tricô – o mote para justificar o maior fracasso desportivo da minha vida. Depois de um café numa esplanada à beira-rio sob um sol aprazível, regressámos às águas verdes e tranquilas do Douro. A P foi a primeira a aventurar-se com a prancha colorida. Vê-la entusiasmada e muito empenhada, estimulou-me. Voltar a apreciar o N a patinar nas ondas criadas pelo deslocamento do barco à sua frente, animou-me ainda mais. O cabo puxava-o. Ele deixava-se levar, movendo-se com graciosidade sobre a prancha – a sua figura concorria com a paisagem majestosa do rio Douro, ladeado pelas encostas mágicas, onde crescem as uvas para um dos melhores vinhos do mundo. A M conduzia a lancha de forma segura e arriscada, também – hoje em dia é patroa local (o que quer que isso seja), mas à época navegávamos ilegais.
Vesti o fato depois da P. Ela tinha conseguido levantar-se e planar sobre a prancha alguns segundos. Se todas conseguiam, eu também seria capaz. Porque carga de água haveria eu de ser diferente? o meu monólogo interior, como que adivinhando as dificuldades por vir. Além disso, estava extasiada pelo deslize proporcionado pela velocidade que a M imprimia à embarcação – mesmo que sem autorização para o efeito.
O frio ao lado. Queria experimentar. Não parecia fácil. Não parecia difícil. A M disse-nos, com laivos de orgulho, que se levantou da prancha na sua primeira tentativa. Para mim era uma novidade e só nesse dia vislumbrava a dinâmica da actividade: lançarmo-nos à água com as botas apropriadas calçadas e já encaixadas na prancha; agarrar o cabo que está preso à lancha; à medida que a velocidade aumenta tomamos impulso para nos levantarmos e ficarmos na vertical sobre a prancha... até ao momento de ser eu, tudo era teoria – quase tudo permaneceu na teoria...
Sim senhora, a M fê-lo na sua estreia. Era igualmente a da P. Teve êxito: à sétima tentativa. O sete é um número mágico; eu ficaria muito feliz se esse número fosse o meu, não para entrar nas portas do céu, mas para me levantar e deslizar, nem que fosse por sete segundos.
Chegou a minha vez e de fato preto vestido e de botas calçadas e depois de encaixar os pés na prancha, mergulhei: uau! Nem com fato a água era agradável. Um pormenor que podia ser facilmente resolvido – mas o fato não era meu e o esforço físico rapidamente ajudou a aquecer. Já para não falar daquele calor que me começou a envolver, aquele que se espalha quando a vergonha se atravessa.
Na água, com o manípulo do cabo nas mãos, a lancha puxou-me. E eu larguei o cabo... e engoli pirolitos. E voltei a agarrar o cabo, que ao fim de alguns segundos voltei a largar e engoli mais uns pirolitos. E voltei a agarrar o cabo e a tentar levantar-me e voltei a largar o cabo e a beber mais pirolitos... e mais umas vezes nesse filme: sem força para me erguer, sem força para me manter firme com o manípulo do cabo nas mãos, sem força para continuar a ‘pirolitar’, sem força para continuar a testemunhar o meu insucesso e de não ser capaz de dizer como as outras: “Consegui! Consegui!” A única coisa que consegui foi engolir pirolitos e engolir as piadas que não tardaram. Enquanto subia para a lancha, as vozes eram de gozo: “ah ah ah, continua a tricotar e não treines que vais longe, ah ah ah”. As horas seguintes foram neste fartote: “sim, sim, faz tricô que vais longe... ah ah ah”. Dias depois acabava a minha obra: umas caneleiras de lã castanhas para o Inverno seguinte.
Falhanço e frustração à parte, foi um dia muito divertido. Nada a fazer, não se pode ser boa em tudo! Para o caso não interessa; ver as minhas amigas a deslizarem foi um contentamento por si só. Observar a desenvoltura do N foi uma delícia. Brincava com a prancha. Saltos e piruetas, dando voltas à corda: um regalo para o espírito aventureiro que mora em mim. Nesse dia, só mesmo em espírito... Não voltei a tentar!
4 de Novembro de 2016
Matosinhos, Portugal

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