Voando para Manágua*



           Ainda não eram seis da manhã na Cidade do México quando me acerquei de um dos balcões do aeroporto, a fim de efectuar o check-in para Manágua. Saí cedo de casa de Patrícia e Arturo; pressenti que seria de evitar chegar em cima da hora. E, com efeito, não foi fácil despachar a mochila para a capital da Nicarágua.
            O principal motivo para conhecer Nicarágua prendia-se com a realização de um retiro de meditação. Todavia, os planos foram ‘desplaneados’ e desisti de me sentar mais dez dias em silêncio em Granada (seria o segundo retiro nesta viagem). Uma decisão já tomada e que não se deveu ao pequeno percalço no aeroporto da capital do México.
            A esse aeroporto, como a quase todos os que chego para partir, o tempo de antecedência com que me dirigi ao balcão permitiu-me resolver o que para mim era inesperado: não tinha visto para estar algumas horas num aeroporto dos Estados Unidos, em escala! Comprara o voo através do skyscanner. Na maioria das vezes adquiro o mais económico, nem que isso implique conhecer todos os cantos e cadeiras desconfortáveis dos aeroportos. Como acusa Luís Sepúlveda, são duros assentos desenhados por criminosos da modernidade.
            Desta vez, porém, o barato saiu caro – antes do check-in tive de ir a um estabelecimento comercial do aeroporto para aceder à internet sem fios. O meu dispositivo electrónico não aceitou qualquer cartão desde que aterrei no outro lado do mundo, alguns meses antes. Por conseguinte, para aceder ao mundo virtual neste aeroporto rendi-me a mais um Starbucks e bebi um café para adquirir a contra-senha.
            Felizmente, a hospedeira de terra mexicana – como todas as mexicanas que conheci – foi muito simpática e prestável; indicou-me todos os passos para obter um visto e assim aterrar tranquila no aeroporto de Hollywood – Fort Lauderdale. Dezasseis dólares, o visto, mais dois ou três pelo café americano. As despesas não se ficaram por aqui. Se em grande parte das vezes é estimulante viajar sem planos, outras vezes, a ausência de pesquisas prévias pode ter resultados menos agradáveis.
Talvez por sentir algum cuidado, quando toquei o solo dos Estados Unidos – a primeira e única vez até ao momento – dirigi-me de imediato ao balcão do check-in. E de facto...
Felizmente, a hospedeira de terra do aeroporto de Hollywood também era simpática e prestável. A sua empatia por mim desenvolveu-se quando lhe dei a saber que estivera na sua terra natal – aproveitei o sotaque da senhora para alimentar a conversa – no ano anterior. Acrescentei que gostei tanto dos lugares e das gentes do Peru que desejava regressar. Era a pura verdade. O Peru encheu-me, sem me satisfazer por completo: quero regressar!
Pois bem, a sua simpatia latina ajudou-me a ultrapassar mais uma situação: para entrar na Nicarágua era necessário ter um bilhete de saída. Como? É verdade. Assim como foi verdade para entrar posteriormente na Costa Rica, no Panamá e no Brasil. O regresso ao Porto também foi condicionado pela necessidade de ter data marcada para deixar o Rio de Janeiro.
Mas – há quase sempre muitos mas – e neste caso um porém muito prático: não fazia ideia do tempo que iria permanecer na Nicarágua, nem tão-pouco tinha a certeza do destino seguinte. O meu único plano era estar no Rio de Janeiro a nove de Outubro, mas ainda estava no início de Setembro.
Comprar uma passagem para o Rio desde Manágua estava fora de questão. Não só sabia que era um valor muito elevado, como implicaria estar as seis semanas seguintes circunscrita à Nicarágua. A sugestão da hospedeira: comprar um bilhete de regresso para Fort Lauderdale. Como?? Esse parecia-me um cenário ainda pior.
            A senhora insistia na sua sugestão. Escutei: “Tem vinte e quatro horas para anular a compra” – hum... – “Ser-lhe-á devolvido o total do montante” – hum... “Ok!” Ser detentora de um cartão de crédito é das melhores coisas quando se viaja, pelo menos para mim. Resolve situações antes que se transformem em problemas. E assim foi.
            Estava nos Estados Unidos da América, num aeroporto em Hollywood, pagara dezasseis dólares e estava nesse momento a pagar para regressar sem ainda daí ter saído.
            As horas no aeroporto norte-americano foram bem passadas. Nessa época trabalhava na revisão de uma dissertação de mestrado – o iPad é outro objecto que se tem revelado muitíssimo prático e útil para viajar. É um dois, três, quatro, cinco em um. Leio, escrevo, trabalho, organizo (nem sempre bem) as viagens e ainda comunico com os amigos e família. Tenho tido acesso à internet sem fios em quase todos os lugares por onde vou passando. Assim sendo, aproveitei o tempo para trabalhar.
Aproveitei, igualmente, para observar as pessoas norte-americanas ao vivo e no seu habitat natural. Pode ‘soar’ estranho, mas para mim era ainda mais estranho estar nos Estados Unidos sem estar. Repito-me no recurso a Marc Augé, quando se refere aos aeroportos como não-lugares. Era assim que me sentia, num intervalo vazio – para usar a expressão de Italo Calvino, em ‘Um Eremita em Paris’. Um parêntesis num território que, apesar disso, tinha de se pagar.
Devo ter alguma coisa a aprender com os aeroportos, tanto é o tempo que aí vagueio, como foi no de Manágua. Esta viagem foi daquelas que se revelou um caso oneroso em tempo e dinheiro.
Na madrugada seguinte conhecia a textura e o desconforto dos assentos do aeroporto de Manágua. Aterrei à uma da manhã, mas era necessário esperar pacientemente pela manhã seguinte e assim ir ao escritório da companhia aérea a fim de reaver o valor virtualmente gasto. Outras horas largas aproveitadas a descansar (o possível) e a adiantar a revisão da tese, assim como a observar os Nicas – como carinhosamente escutei a estrangeiros de outros países da América Central.
Às dez da manhã, o cartão visa era ressarcido na totalidade pela despesa em solo americano. Saía, enfim, do aeroporto a pé para apanhar mais um chicken bus, desta vez rumo a Granada.
           


Fevereiro de 2016
Matosinhos, Portugal

*Sempre que penso na Nicarágua escuto interiormente a música de Manu Chao, Me gustas tu. Fica aqui a partilha; basta clicar na legenda da fotografia que é do vulcão da ilha de Ometepe

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