A sério? Oh... No dia 11 de Janeiro,
David Bowie também se despedia. De géneros completamente distintos, estes dois
músicos fizeram e continuam a fazer parte da minha playlist.
Cremosa, a voz de Prince, foi com
uma chuva de púrpura que muitas vezes as lágrimas caíram e ainda ameaçam saltar
cada vez que escuto, como neste momento, essa canção, que me toca para além do
sentido da audição. A minha modesta homenagem a este cantor, cuja altura
demonstra que os homens não se medem aos palmos. E Prince era e será sempre uma
referência musical, disso não tenho dúvidas, para aqueles que, como eu, se
deixavam abraçar simulando uma dança ao som das suas músicas mais lentas, como Purple Rain.
Purple
Rain, Purple Rain, Purple Rain – eu e a P, a pedirmos na primeira linha do
público no seu primeiro concerto em Portugal, no grande estádio de Alvalade.
Foi em 1993.
Esse era o segundo concerto em quinze dias, nesse mesmo estádio – uma
verdadeira catedral, ah, ah. O primeiro foi a 1 de Agosto – Sting, o cantor que
nos mereceu e merece igualmente grande admiração. Outro género. Gostos
eclécticos, alguém criticava. E?
Para o concerto de Sting não fomos
preparadas. Ficámos nas bancadas. Tão longe! Tão longe e quando o britânico
tirou a camisola eu e a P, histéricas, pedimos ao vizinho os binóculos: “por
favor, só um bocadinho, para vermos melhor o
six pack”. Não sei se era o caso, mas não há milagres e claro que
rapidamente tivemos de devolver as lentes e cingirmo-nos a escutar. O que já de
si era extraordinário. Em particular quando tocou e cantou ‘Fragile’.
Este tema é, na realidade, o ponto
de partida para a amizade que começou com uma animosidade palpável. Eu e a P
conhecemo-nos meses antes de ficarmos na turma A do primeiro ano da faculdade.
Como somos as duas Ana, ficámos no mesmo grupo aquando dos pré-requisitos para
entrar na então FCDEF. Esses testes físicos que contavam 50% para a média de
entrada, incluíam uma série de esquemas na Ginástica, entre os quais um esquema
de corda no tapete. Ambas escolhemos a versão instrumental ‘Fragile’ para a
corda.
A cassete (sim, cassete) parou a
meio da minha prestação – quero crer que não terá sido por qualquer ordem
telepática daquela que se seguiria: a P, ela mesma, com ‘Fragile’, essa mesma.
Esta aversão rapidamente foi
substituída no início das aulas. A literatura, o cinema e a música sempre foram
fontes de encontro entre as duas. Consequentemente, no final do primeiro ano da
faculdade passei uma semana fantástica com P em Lisboa, onde então vivia. No
final do segundo ano, convidou-me a passar duas semanas no ‘seu’ monte em
Mértola. Antes de descermos para terras alentejanas e nos deliciarmos com os mergulhos
na Mina de São Domingos, deixámo-nos enlevar frágil e docemente pela voz do
inglês.
Terminámos essas duas semanas em
cheio na então grande catedral – o estádio de Alvalade. Ele há gostos para
tudo, é sabido. E, tal como na religião, também no futebol não há discussão. No
dia 15 de Agosto tínhamos aprendido a lição e foi com várias horas de
antecedência que assentámos arraiais à porta do estádio.
Quando os portões abriram corremos
desvairadas. Objectivo: ficar o mais próximo possível do palco. Objectivo
cumprido, não fôssemos nós de desporto: primeira linha do público. Entre nós e
o palco apenas a distância de segurança marcada pelas grades. E ali ficámos
outras tantas horas à espera. À espera que Prince descesse do seu helicóptero.
Quem lá estava, certamente se
recordará que foi muito bom ver e escutar Prince ao vivo e a cores. Quem lá
estava, certamente se recordará que antes da actuação do cantor, levámos com
mais de uma hora com a banda que o acompanhava à época: The new power
generation.
A hora que Prince esteve no palco
inflamou e encantou com músicas como ‘Kiss’ e ‘When doves cry’ – as minhas
preferidas. Com ou sem Sheena Easton, ‘1999’ e ‘U got the look’ juntam-se ao
rol das minhas preferências. Tantas e tantas que continuam a tocar naqueles que
gostam de Funk e Soul – há quem diga que Prince era o melhor, senão o Rei. Rei ou
não, pertencia ao reino dos mortais e partiu hoje.
Não obstante, parece-me que Prince, como todos aqueles que nos são
queridos, perduram em nós. A sua centelha flutuará e confio que alguma da sua luminosidade
permaneça em mim. Afinal, o que sou hoje também resulta daqueles que passaram
por mim e continuam a tocar-me, como é o caso da minha querida amiga P, a quem
agradeço profundamente tudo o que temos partilhado ao longo destes 25 anos (!)
e que certamente continuaremos a partilhar... Obrigada querida amiga.
21 de Abril, 2016
Matosinhos, Portugal
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