Reza a lenda que a 4 de Agosto de 1578, D. Sebastião desaparecia num nevoeiro misterioso. Naquela batalha de Alcácer-Quibir, o rei era engolido pelas brumas. Ainda se espera pelo salvador da pátria, D. Sebastião. A piada usada para salvar uma nação para muitos sem esperança.
Quantos e quantos portugueses saíram do país em busca de melhores condições de vida... É no dia 8 deste mês que eles são lembrados. Ao longo dos séculos, muitos partiram a fim de explorar outros lugares, outras culturas. A década de 1960 foi das mais movimentadas em Portugal, num êxodo incomensurável. A tia Vina e o tio Coelho, por exemplo, viajaram para a Alemanha, a quem mais tarde se juntou o filho. Os meus pais tentaram, quase em vão, uma nova vida em Angola. E tantos e tantos familiares meus e dos leitores ainda vivem em países como França, Suíça, Venezuela, Canadá. Eu sei lá quantos mais países terão recebido milhares e milhares de portugueses.
Desde 2010 tem-se assistido a uma nova vaga, muito intensa, de emigração. Gente em busca de novas oportunidades fora de Portugal. O país cujas condições cada vez mais precárias afugentaram o que muitos denominam de 'cérebros'. Jovens licenciados, doutorados, com muitas habilitações, sem colocação ou sem perspectiva de um futuro onde os sonhos se possam concretizar.
"É necessário sair da zona de conforto"; afirmava (sem pensar) um ministro há três ou quatro anos. Parece que o conforto está longe de chegar. É pena que seja preciso procurá-lo longe daqueles de quem se ama, longe da terra natal.
Portugal, um país lindo, com a costa atlântica mais bonita e diversa de toda a Europa. Tem mesmo de ser assim? Emigrar para encontrar um trabalho que permita viver com conforto, longe da zona das pessoas a quem se quer bem?
Portugal, além de ter um litoral muito rico, é um país com tantos lugares no interior, nos montes, vales, montanhas e rios. E ainda assim (parece), pouco hospitaleiro para aqueles que emigraram.
Naturalmente que este é um ponto de vista. A forma como apreendemos a realidade depende quase sempre do ângulo em que nos posicionamos. Sair de Portugal, quer seja para viajar, quer seja para procurar melhores condições de vida, pode e muitas vezes é uma forma de expansão. De facto, a Europa contemporânea é distinta e as fronteiras quase se dissiparam. É crescente o número das pessoas que se sentem mais cidadãs europeias e menos cidadãs de uma única nacionalidade. A facilidade com que hoje nos movemos na Europa é surpreendente e isso é com toda a certeza uma perspectiva muito positiva.
Vale a pena realçar que se 8 de Agosto é dedicado ao emigrante, é também em Agosto que muitos portugueses regressam para rever e desfrutar o melhor possível as férias com a família. Em Nogueira isso é bem visível. Lembro-me bem de brincar com a Cáti, da família Cunha, vinda de França durante esse mês. E a Portugal regressou, posteriormente, para ficar e ser professora.
Em cada decisão existe (quase sempre), se se estiver receptivo, um lugar iluminado. Longe de casa, noutras paragens, gera-se a oportunidade de conhecer e aprender sobre novos lugares, novas culturas, novos costumes. Pode inclusivamente dar-se o caso de se aterrar em terras onde ainda subsistem povoações indígenas. Como na Guatemala. 'No coração da cultura Maia' - a publicidade que se vê amiúde. E, com efeito, em Lanquin - a vila onde escrevo - vive uma população indígena com um dialecto que nem os guatemaltecos citadinos compreendem: Kaqchikel.
O dia 9 de Agosto lembra-nos a necessidade de respeitar e assim preservar culturas e povoações tradicionais. Neste caso em concreto, a cultura Maia. As mulheres e as meninas vestem o seu traje todos os dias. Duas ou três saias muito coloridas, rodadas e compridas, com camisolas bordadas a condizer (confesso que o calor que me envolve me faz admirá-las face à quantidade de roupa que vestem). O espanhol só para alguns, em particular para os elementos masculinos. Os que mais oportunidades têm de ir à escola.
As saias longas de tecidos muito elaborados não as impedem de trabalhar. Pelo contrário. Pelo que vou observando, trabalham de sol a sol. Em Xela - diminutivo de Quetzaltenango -, o albergue onde me alojei era gerido e liderado pela mulher do casal proprietário, a Glória. Ele, Christopher, americano emigrado (!) na Guatemala. "Aqui a educação dos meus filhos é mais económica. A vida também é mais segura". Também os americanos saem da sua zona de conforto, buscando outra estabilidade mais segura.
Neste, como em outros albergues da Guatemala, pode ler-se nas paredes que o estabelecimento é da propriedade e gestão total de pessoas nativas. Ou seja, não são alvo de exploração estrangeira. Não é por acaso que esta informação é frequente. Apesar do sonho de Luther King ser vivido por muitos povos, a escravatura é uma realidade! Muito a fazer ainda. E ainda mais a fazer. Sem dúvida!
Em Cartagena das Índias tive oportunidade de assistir à comemoração da africaneidade. Quantos escravos foram vendidos pelos portugueses e espanhóis. Quantos portugueses se sentem hoje escravos dos seus empregos, cujos salários não chegam sequer para pagar os bens de primeira necessidade... O dia 23 é para recordar o tráfico de escravos e a sua abolição. Não foi de todo abolida! Que nos lembremos que a escravidão ainda existe e está muito próxima. Recusarmo-nos a trabalhar por valores indignos também é - e muito - um modo de abolir a escravidão contemporânea. Não é apenas uma questão de dignidade (o que já é muito!), parece-me que é também de sobrevivência. Sobrevivência da cultura, dos direitos humanos, de cada pessoa.
*texto publicado no Jornal O Chapinheiro
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