A casa do povo*




Setembro. Um mês de renovação. Com a chegada do Outono, as cores das árvores, essas fontes de vida, alteram o cenário das florestas, dos parques e de todos os lugares onde as suas raízes se estendem. De verde vivo, as folhas transmutam-se para tonalidades douradas, castanhas e até cor de fogo, como tantas vezes observei nos plátanos da cidade do Porto.
Lembro-me de quando era criança, uma das minhas brincadeiras favoritas era saltar para os montes de folhas que se juntavam, ora por obra dos ventos, ora pelas mãos dos incansáveis varredores de ruas. Pisar as folhas secas para escutar o seu crouch, crouch - era uma actividade incansável.
Já em adulta, cada vez que os pés se aproximam de folhas caídas prontas para estalarem com o meu peso, não hesito e um sorriso transporta-me para a infância. Sou novamente a garota de dez anos que saltava de monte em monte, tão-somente para receber e sentir essa sensação auditiva.
Quando no parque da cidade do Porto, uma das formas de dar as boas-vindas ao Equinócio de Outono é justamente apanhar folhas caídas no chão. Recolho umas tantas e algumas servem-me para marcar livros em leitura.
No regresso às aulas, as crianças são convidadas a celebrar o Outono do mesmo modo. As folhas de tonalidades quentes são utilizadas nos trabalhos manuais, estimulando a criatividade, ao mesmo tempo que sensibilizando para a preservação do planeta.
O dia 16 deste mês é dedicado à preservação da camada de ozono. Um dia que vale a pena recordar àqueles que têm poder para manter as florestas, evitando a sua destruição em nome de interesses pouco humanistas e globais. Vale a pena lembrar a esses que têm o poder, que é fundamental criar as condições que permitam assegurar um futuro para as gerações vindouras, quer sejam humanas quer sejam de todas as outras espécies viventes.
No dia 22, mais uma oportunidade para alertar toda a população em geral. Com o dia europeu sem carros, pretende-se motivar a diminuição do uso de veículos particulares. O tráfego intenso de grandes metrópoles, como Banguecoque, La Paz ou Bogotá, demonstra como os níveis de poluição aí gerados tornam esses locais inóspitos a todos os que aí vivem e/ou trabalham. As ilhas existentes, como parques e zonas florestadas, são excepções insuficientes, mas que ainda assim poderiam ser elementos para inspirar à promoção de outras formas de organização civilizacional.
Não obstante, outras cidades há, onde a circulação rodoviária é limitada, pese embora não seja do agrado de muitos dos que necessitam de se deslocar para os seus locais de emprego. Boas políticas e infra-estruturas de transportes públicos são modos de tornar as cidades mais atractivas. Creio que esses são pequenos, mas importantes, passos que ajudam as populações citadinas a sentirem-se mais tranquilas e, assim, mais motivadas para sair de casa, seja para trabalhar, seja para usufruir de espaços verdes.
Uma inspiração mais forte, num lugar habitado por árvores, essas fontes de vida, é uma inspiração de vitalidade. Quem sabe até contribua para um sentimento de paz, de paz interior.
A 21 de Setembro, com o Dia Internacional da Paz, faz-se um convite à reflexão sobre esse estado que começa em cada um de nós. Sair para um jardim, um parque, ou um lugar onde seja possível escutar as folhas dançando com o vento e observar a sua chegada ao solo, é com certeza uma forma de sentir um pouco de paz. Enchendo o coração dessa tranquilidade, talvez seja mais fácil de contribuir para uma paz mais alargada, além de nós. Afinal, só estamos capazes de partilhar o que somos e o que temos. Se  paz for o estado em que nos encontramos, será o que em nós existe para compartilhar. Fica a sugestão.
De entre as datas comemorativas deste mês, destaco o dia 11. De imediato a memória resgata o ataque às torres gémeas, em 2001. Uma data que marca, na minha perspectiva, o início de uma nova era na humanidade. A desconfiança, a insegurança, o medo que aquele terror provocou, subiram  para níveis extremos e indescritíveis. Somente com enorme esforço, sou capaz de me abstrair de todas as medidas de segurança e controlo que desde então se têm vindo a implementar. Com o medo gerado, e em nome da segurança, muitas liberdades e direitos à privacidade se têm perdido a cada dia. Esse seria um tema que me conduziria ao pessimismo. Prefiro outra comemoração assinalada nessa mesma data: o dia nacional das casas do povo.
Foi na Casa do Povo de Nogueira que dei os meus primeiros passos de dança. Fundada em 1934 por António Tinoco, a casa do Povo de Nogueira do Cravo é um lugar emblemático da aldeia dos nossos corações. Os bailaricos de Verão, os casamentos aí celebrados e tantas outras festividades, tornam a Casa do Povo de Nogueira numa das minhas mais vivas recordações dessa aldeia. Foi também na Casa do Povo que, juntamente com outros adolescentes envolvidos no riso e boa-disposição, ensaiei vezes sem conta uma peça de teatro. Fazia parte da nossa preparação para a profissão de fé.
De facto, a Casa do Povo de Nogueira do Cravo é um lugar do Povo. São muitas as actividades que aí se continuam a desenvolver, contribuindo para a renovação da aldeia, ela própria. O Grupo de Cantares da Casa do Povo é um bom exemplo de como essa Casa é um espaço primordial para congregar boas iniciativas e as gentes da aldeia e arredores. Bem-haja todos aqueles que vivem, dignificam e fazem crescer a Casa do Povo e, por consequência, Nogueira do Cravo. 

*Este texto foi publicado no jornal O Chapinheiro

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