Numa noite... depois do hospital (a propósito do dia do voluntário)*



Numa cama estreita, onde o enfermo dorme como um ser inóspito, duplos são os sentidos de quem o visita. As paredes pálidas de um quarto asséptico aniquilam uma qualquer autocomiseração. Reduzo-me a imaginar papoilas muito vermelhas de uma infância há muito vivida. Resgato memórias infantis que me auxiliam a passear por atalhos, enquanto a corda de uma vida se esfia ao limite da (in)existência.
Encostada na borda da cama escuto: absorvo cada palavra, buscando malmequeres amarelos para sorrir e não deixar que as trevas sejam mais fortes que a esperança esfomeada, de alguém que se debate entre a negação e a aceitação de uma doença... Com estatísticas pouco animadoras.
Sou feita de carne e o que me perturba é a impotência face ao que os meus olhos nublados observam. Horas depois, num outro quarto com vista para o mar, a memória é fragmentada, esparsa, dissolvendo-se num sono reconfortante, que a saúde (ainda) garantida me autoriza.
A caverna onde mora a solidão seca é pequena e nela não cabem os anos vividos de aventuras adiadas no espaço... de uma ilusão. Desejo a insónia para me lembrar que o tempo é a minha maior riqueza. Propagar centelhas de luz – o muito que pode originar uma pessoa que numa vida secreta doa o seu maior tesouro: o tempo. A história recente da humanidade revela-me que o maior bem que preservo é o tempo que guardo para partilhar com aqueles que, de um ou outro modo, o aceitam sem reservas.
À minha volta morrem dias vermelhos escurecendo, ceifando vidas. Ao entrar naquele lugar, agarrava os minutos, preparando-me para o amor. Improvisava palavras embrulhadas como um presente que ansiava acolhido. O ânimo de quem as consentia era uma dádiva, inigualável por dissipar o egoísmo que em mim persiste. Prontificava-me a (re)nascer e a expressar um pouco de silêncio. Escutava sem ranger as articulações. Os lábios esboçavam sorrisos, redigindo uma história interior com as letras doridas, umas vezes, outras: mornas e incertas.
Horas mais tarde, num conforto concedido e profundamente apreciado, agradeço o tempo fugaz, antes vivido – os sorrisos quentes e estendidos são abrigados e revividos num sonho descansado...

11 de Novembro de 2016
Matosinhos, Portugal

*Na companhia de António Gedeão

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