Comecei a aprender japonês.
O sol está quente. No exterior não sei. Aqui na sala, recebo os raios de
sol que atravessam sem embaraço a janela de vidros duplos, tocando o meu rosto,
aquecendo-o. Um carinho que me dá um certo alento para o momento que vivo.
Comecei a aprender japonês. Talvez seja mais correcto afirmar: comecei a
assistir às aulas do nível um de japonês, na faculdade de letras. A distância
que existe entre o que a senhora professora ensina e o que eu aprendo é como a
distância que me separa desta janela para o mar e um quarto em Tóquio –
dificilmente alcançável. Quem sabe um dia seja levada nas asas de um condor...
Estou no oitavo andar do prédio onde hoje resido. Uma altura
significativa – ainda que o desespero não seja (ainda) tão aflitivo.
Os caracteres
hirigana provocam as minhas mãos sobejamente habituadas a outra escrita. O
olhar move-se entre a tabela dos hiragana e as quadrículas para o べ
… ば , que é
como quem tenta escrever o be, a, ba. Esse esquema mental do alfabeto latino é
um verdadeiro óbice para a (minha) aprendizagem. É que os meus olhos ficam em
bico quando miro a outra tabela, a dos katakana. O mesmo
é dizer para a outra série de caracteres que se seguem uns aos outros para
construir as palavras estrangeiras. Até que não seria assim tão complicado se
os japoneses se limitassem aos hirigana e katakana. Os
dois alfabetos são mais do que suficientes para os meus neurónios, que ficam
completamente à toa. A existência de dois caracteres para os fonemas ji e zu são apenas
dois exemplos.
Contudo, como se os hirigana e katakana não
bastassem, ainda tenho de decifrar e desenhar na mesma frase os símbolos kanji – adoptado
do Chinês!!! Três alfabetos numa só frase?? E ainda só vou para a quinta aula.
Sendo certo que a diversidade não se ficará por aqui.
De maneira que este desafio é para ir vivendo de aula em aula, estudando
em casa pelo menos quatro ou cinco horas por semana – era o que estava a fazer;
interrompi-me para este curto desabafo. Está visto, porém, que não é tempo
suficiente. Pelo menos para mim. Não é que a senhora professora Reiko me
perguntou por duas vezes: “A Ana tem dificuldades, não tem?” Ups! Sabe o meu
nome, o que por si só pode ter algum significado para além do que prefiro
descortinar.
As minhas amigas professoras (não de japonês, mas de Educação Física)
mostraram-se solidárias com as minhas questões de aprendizagem e quase em
uníssono perguntaram à laia de afirmação: “Tu és a aluna NEE da turma?!!”
Leia-se, aluna com necessidades educativas especiais. Já não se pode desabafar
com as amigas...
Enquanto tiver estofo para aguentar o estigma de NEE, vou estudar e
desenhar hirigana e katakana e mais
uns quantos kanji.
Mesmo que isso implique gastar energia e eventualmente queimar neurónios em
algo inútil, como dizia um amigo. Mas também, quem disse que a vida tem de ser
prática?
Quem escreveアンナ – o meu nome em katakana – como eu,
certamente compreenderá que existem certas práticas que ultrapassam a sua
praticabilidade...
É melhor ficar por aqui, daqui a pouco vou para as aulas e ainda não me
dediquei o necessário... pelo menos por hoje.
7 de Novembro de 2016
Matosinhos, Portugal
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