Foi em Mérida, México, que no ano passado sofri pela segunda
vez uma otite. A primeira vez que senti essas dores horríveis, das piores dores
físicas até ao momento (confirma-se mais uma vez como sou uma pessoa protegida
e privilegiada), foi na Mina de São Domingos, em Mértola. Passava uns dias de
férias de Verão com a minha querida amiga P. Uma das grandes companheiras da
faculdade... e da vida.
O
motivo de ambas as otites é o mesmo: saltos para a água – mergulhos de cabeça
que me mostraram que o sonho das profundezas dos mares e dos oceanos terá de se
ficar pelo snorkeling – melhor que
nada, como é óbvio.
Como
afirma o antropólogo francês David Le Breton, as cicatrizes de acidentes em
actividades de risco, que os aventureiros tão orgulhosamente mostram, são
memórias indeléveis no corpo de experiências vividas. As otites não deixam
marcas visíveis, mas as dores que senti são revividas com um sorriso, ao
resgatar as fotografias e filmagens do dia bem passado com Jacob – um
dinamarquês de férias no México pela terceira vez! – nos Cenotes de Cuzamá, nos
arredores de Mérida.
Conheci
Jacob no hostal Art Apart. O segundo em que fiquei nessa cidade mexicana.
Reservara apenas uma noite no Nomads hostal. À chegada a Mérida, fiquei a saber
que esse albergue estaria cheio nas noites seguintes: estava para chegar um
grupo grande. Os meus lábios formaram um arco descendente – decorria uma aula
de salsa à hora em que fazia o check-in
e fiquei com vontade de desenvolver as minhas aptidões nas danças latinas.
Paciência. Nada a fazer. Na manhã seguinte, enquanto tomava o pequeno-almoço,
acontecia uma aula de yoga. Novo desapontamento por não ter reservado mais
noites nos Nómadas de Mérida.
A duas quadras de
distância encontrei o Art Apart. Ao entrar, o sentido do sorriso inverteu-se.
Abriu-se ainda mais quando a senhora que me atendeu me mostrou o lugar, com uma
piscina rodeada de decoração e mobiliário retro. Fiquei num dormitório do piso
superior. Tinha dez camas. A única que se fez ocupada, durante a semana inteira
em que aí parei, foi a minha! Muito grata pela tranquilidade do sítio, ao
contrário do primeiro onde dormi, o qual estava ao rubro, cheio de gente, cheio
de actividades. Na maioria das vezes, sou mais do género sossegado, por isso, posteriormente
apreciei o facto de não ter tido cama no Nomads.
A dinâmica
existente no Art Apart foi suficiente para travar conhecimento com gente nova,
visitar novos lugares bem acompanhada e mesmo rever um casal que havia
conhecido em Bacalar – a cidade de onde viajei até Mérida –, a Patrícia e o
Arturo. Reencontro que me permitiria, semanas depois, uma estadia na Cidade do México.
Os dias em
Mérida foram realmente muito bem passados, tendo para isso concorrido Alberto,
o jovem responsável pelo hostal Art Apart. Alberto dava-se muito bem com Jacob,
que já não era a primeira vez que ali ficava alojado. Foram várias as refeições
que partilhámos os três. Jacob gostava de cozinhar, particularmente ovos, que
os preparava de todas as maneiras e mais algumas. Da minha parte, contribuía
com os legumes para a salada. Os abacates eram sempre um petisco obrigatório
com um fio de azeite e sal a acompanhar os maravilhosos soft eggs do Jacob, de que fiquei fã.
Levaram-me a
conhecer a la movida de Mérida. Fiz o gosto ao pé no bar ‘Fábrica de Mezcal’,
onde também provei o famoso Mezcal e relembrei os shots de outros tempos com a Tequilla Bum
Bum na Cantina ‘La Negrita’.
Com Alberto, fiz o reconhecimento da cidade
através das corridas matinais antes de ele começar o seu dia de trabalho. Foi também
Alberto que me sugeriu a visita aos Cenotes de Cuzamá, onde fui com Jacob.
Às 9.30h da
manhã de uma sexta-feira de Agosto, eu e Jacob estávamos prontos para ver ao
vivo as cavidades naturais designadas de cenotes. São resultado do impacto de
grandes meteoros, dando acesso a águas subterrâneas. Nestas grandes cavernas
ter-se-ão realizado muitos rituais de sacrifício dos Maias.
Existem muitos
cenotes no México, mas os de Cuzamá têm uma particularidade: o acesso aos
mesmos é efectuado através de carruagens que são puxadas por cavalos ao longo
de antigos caminhos de ferro. A nossa carruagem era uma das mais poderosas do
lugar. O que eu e o Jacob nos rimos. Existia apenas uma linha. A nossa dúvida
foi desvanecida quando nos confrontámos com a primeira carruagem que surgia no
sentido oposto. As pessoas que nela eram transportadas foram convidadas a
deixar a carruagem e a ajudarem o condutor a retirá-la da linha, para assim dar
passagem, neste caso, à nossa. Isso aconteceu várias vezes em ambos os
trajectos e nós ficámos sempre sentados à espera que as demais carruagens
desamparassem o caminho para que, sempre nós, prosseguíssemos. Sentimo-nos reis
e senhores dos carris de Cuzamá.
Foi no último de três cenotes que mais tempo nos detivemos e onde saltámos vezes sem conta para a água, brincando, rindo e desfrutando da profundidade das águas límpidas e cristalinas. Jacob levara a sua máscara e foi aí que tive o primeiro laivo do esplendor do que é o mergulho...
Os dois dias seguintes em Mérida foram a relembrar vividamente cada salto, cada mergulho... os ouvidos não me deram descanso. A juntar à festa, a chuva tropical trouxe uma enxurrada de mosquitos. Pela primeira vez em três anos, tive necessidade de recorrer aos químicos de um repelente, a fim de apaziguar a superfície corporal. Tenho a sensação que o álcool do mezcal e da tequila, que ainda circularia nas minhas veias e artérias, terá tido a sua quota parte na atracção de tanto insecto....
Fevereiro de
2016
Matosinhos,
Portugal