O ano passado a mochila estava
forte e resistente, não tendo sido necessário usar o kit de urgência. Contrariamente a este ano. Ao fim de dois meses
teve de ser. Em Lanquin, na Guatemala, foi necessário coser o bolso superior.
Aí guardava aveia para o pequeno-almoço ou uma lata de azeite. É de salientar
que o azeite é ouro na maior dos países onde estive na Améria Latina. Não gosto
de cozinhar com óleo. É um gasto que parecendo de luxo, é elementar para a
minha alimentação. Não sou a única a pensar desse modo. Nos hostels onde pernoitei era habitual esse
tesouro estar protegido das mãos alheias. Como era o caso do italiano – o
Mássimo – que conheci em Granada, na Nicarágua. A sopa que partilhou comigo
tinha esse condimento tão mediterrâneo.
Mássimo chamou-me a atenção para um
pormenor; só nesse momento identifiquei o que há muito me causava quase
náuseas. O cheiro das mochilas. Insuportável. Um fedor que sobressaía em
particular nos dormitórios cheios. Seis ou sete pessoas a dormir no mesmo
quarto com as respectivas mochilas. Mochilas essas que passavam por todas as
desventuras e mais algumas, entre porões de avião, de autocarro,
barcos e chão. Muito chão, absorvendo todos os odores de cidades mais ou menos
poluídas. A partir desse momento tornou-se quase intolerável trazer a mochila
pequena na frente do tronco, afastando-a o mais possível das narinas. Havia
ainda outro malfadado pormenor, cuja consequência se daria na Cidade do México,
em casa de um casal que conheci em Bacalar. A mochila grande trazia uma
recordação odorífera de Bogotá. Também nessa capital fiquei hospedada em casa
de amigos que conheci o ano passado. Em ambas as casas havia um habitante
felino. Ora, o gato colombiano fez questão de deixar a sua marca urinária. Ao
pousar a mochila no quarto que me foi destinado na cidade mexicana, o gato que
aí vivia sentiu – ao fim de mais de dois meses! – e não gostou. De tal modo,
que quando tentei amenizar a aversão que sentira, saltou e mordeu-me!! A minha
mão esteve inchada vários dias.
Quanto ao volume, a mochila ganhou
algum em Mérida, no México (no final do terceiro mês), quando as sapatilhas
adoeceram e deixaram de ser viáveis para a corrida. Só consegui despedir-me delas
no Rio de Janeiro, cidade de onde regressei a Portugal. O seu conforto para
caminhar mantinha-se e a cor roxa agradava-me sobremaneira. As roupas iam
ficando em alguns dormitórios. Além do inevitável se ter repetido: quando
mandava lavar a roupa o saco vinha quase sempre mais leve. Quando em Setembro
comprei a viagem de regresso ao Porto, libertei-me de peças que roçavam o
andrajoso. Na Costa Rica (início do quinto mês) disse adeus aos calções de
guerra; os calções de montanha que tinham seguramente quinze anos de
existência. Gostava muito deles, mas estavam tão esfarrapados... pelo menos
‘morreram’ num dos lugares mais bonitos, para mim, da América Central: o Parque
Corcovado.
Também abandonei os segundos calções de corrida; não aguentaram as
lavagens medíocres.
Daí viajei de autocarro para a cidade
do Panamá, onde tinha voo marcado para o Rio de Janeiro. Já cheirava a maresia
do Porto. Era então necessário criar espaço para os ‘regalos’. Foi no Panamá, a
pouco mais de duas semanas do regresso, que finalmente dediquei o passeio às compras.
Apesar dos esforços, o espaço era limitado. Adicionalmente, no Rio de Janeiro
obtive a indumentária para o voluntariado num Evento-Teste dos Jogos Olímpicos
– razão pela qual me desloquei ao Brasil –, o que aumentou novamente o volume.
A viagem desde o Rio para o Porto permitia
mais bagagem de porão; conforme me sugeriu uma vendedora, podia ter comprado uma
maleta. Mas isso já não é uma prioridade. Pela reacção do meu sobrinho
depreendi que ele não esperava nada; o que muito me apraz. As cartas que lhe
escrevi foram os melhores presentes – o que li no seu olhar profundo de longas
e negras pestanas.
Quanto à família e amigos, as
pessoas a quem fiz o carinho de trazer uma lembrança também a receberam num
sorriso que revelava surpresa, tendo percebido que ninguém o esperava. O que me
satisfaz imensamente. Ainda não sou capaz de chegar de mãos vazias. Na
realidade, em cada encontro com alguém que não vejo há muito tempo levo um
‘miminho’. É fantástico o sorriso que recebo, nem que seja por uma simples
flor. Além disso, como ainda tenho muitas coisas que não preciso, essa é uma forma
de libertar espaço na casa dos meus pais.
Viajar de mochila tem sido uma
aprendizagem ainda muito iniciática. Não é raro escutar: “Ui, tu viajas com
isso tudo, com uma mochila desse tamanho?” Quase tudo é relativo. Estou certa
que esta viagem de cinco meses se impregnou no meu ser e que na próxima serei
capaz de diminuir o peso de forma substancial... estou a aprender a precisar de
cada vez menos. Já nem perfume me lembro de usar, apesar de ter um ou outro
frasco na cómoda.
Outubro, 2015
Matosinhos, Portugal
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