Andy. Um jovem
alemão de vinte e oito anos de férias
no Belize e Guatemala. Não é a primeira pessoa alemã que
me toca. O preconceito e os pré-conceitos, se existiam em relação às pessoas desse país, há muito se desvaneceram. Deviam-se, provavelmente, à nuvem
negra de outras épocas e a modelos político-económicos 'impostos' por Angela Merkel. Como em tudo na vida, a generalização é um mal não muito menor. Na
verdade, tem sido com alemães com quem tenho desenvolvido mais empatia recíproca. Talvez pelas mesmas dúvidas do tipo existencial.
O primeiro com quem tive um encontro
dessa natureza foi Christian. A viagem de comboio de catorze horas, entre Kuala
Lumpur e Banguecoque, foi o tempo e espaço em movimento para a
partilha. Um viajante que vendeu tudo, vivendo do rendimento que o aluguer da
sua casa (à data) lhe concedia. Nove meses na Índia, outros tantos na Tailândia, onde aprendia massagem tailandesa. O modo
que encontrou para sentir que realizava algo de concreto. Todavia, fiquei com a
impressão que o seu propósito
maior era caminhar até encontrar e viver a sua concepção de felicidade. Afinal, esse é o desejo de quase todos os seres humanos.
Também
Valeria e Ferdinand, de Münster, querem ser felizes. Pediram uma licença de seis meses e viajaram para a América do Sul. Durante a
caminhada de cinco dias - Salkantay Trekking - até Machu
Picchu houve tempo, num cenário extraordinário,
para nos conhecermos. A flauta pan da japonesa Hannaku encantou-nos num dos
vales rodeados de montanhas de cumes pintados de branco. Aí nos
sentámos para a escutar em silêncio.
A troca de contactos ficou no esquecimento, mas não o
sorriso honesto de Valeria. Uma pulseira com esferas vermelhas e pretas,
adquirida no mercado de Aguas Calientes, é outro
pedaço de memória desses dias, até ao santuário dos Incas.
Andy, Olaf, Christine e Miriam,
outros alemães a deixarem marcas no meu ser. Todos em férias; desta vez. Desta
vez, pois todos eles se questionam sobre a vida. Foi a angústia
que moveu Olaf para uma volta ao mundo anos antes*. De entre os alemães que tenho conhecido, pressinto que seja a pessoa mais feliz. Encontrou a
paz através satisfação da profissão que exerce. Trabalha com o sentimento de missão na
escola, onde ensina Matemática e Geografia. A Christine também se sente realizada como professora para pessoas com deficiência. Isso, no entanto, não a preenche de forma total. A pausa de oito
semanas na América Central, viajando sozinha, reacendeu a
vontade de se aventurar por mais caminhos desconhecidos. Contudo, nem sempre é iluminada pela plenitude. É frequente a necessidade de partilhar a experiência de certos lugares e momentos especiais. Talvez o mesmo motivo para a
busca de Olaf, a busca da companheira 'perfeita'.
Essa busca é uma
das questões de Andy. Neste momento está bem.
Passou um ano e meio desde que a mulher com quem planeava ter filhos se
despediu sem se justificar. Não necessita dos porquês.
Saber as razões não alteraria em nada o sucedido. A questão que o persegue é outra e advém do facto de todos os
seus amigos e parentes estarem todos mais ou menos organizados na vida
familiar. Andy é o único sem necessidade de 'assentar', comprar casa e
constituir família. Um estranho fora da norma - como se sente. Em
breve mudará de emprego. O salário
será ainda melhor, mesmo que isso implique dez horas
de trabalho por dia. Outra das dúvidas que o consome. O curso de mergulho em Caye
Caulker e a entrada no Blue Hale aumentaram ainda mais as suas dúvidas para o regresso a casa em duas semanas.
Voltar à
Alemanha é mais tranquilo para Miriam. Quase na idade de se
aposentar, sente-se privilegiada por ter um trabalho recompensador. Além de que pode fazer pausas mais longas. Desta vez decidiu algo diferente:
viajar sozinha. Experimentara essa liberdade na Europa, quando uma amiga a
'abandonou' numa ilha grega. Falhas na comunicação
proporcionaram a Miriam a oportunidade de resolver tudo por si. Afinal não é assim tão complicado, o que
aprendeu. Pelo contrário, a autonomia que tem experimentado, bem como a
resolução de todas as situações e
trâmites na Guatemala, mostraram como é capaz de se aventurar sozinha. Mais do que isso, muitas experiências têm sido absolutamente reveladoras.
Maj e Hanna, outras alemãs que conheci em Caye Caulker. A primeira de férias. É veterinária de profissão e
estudante de medicina. Maj está desapontada com o modo como os donos dos animais
a tratam. Alguém que deve cobrar pouco e estar sempre disponível. O mesmo sucede com Júlia - uma das companheiras de casa em Portugal -
com uma raia no pescoço é actualmente delegada de propaganda médica na área veterinária. As duas jovens
desiludidas com a exploração a que estão sujeitas. A alemã, quase a terminar dois meses na América Central, tem-se
perguntado quanto ao rumo a dar à sua vida. Confia, no entanto, que quando
finalizar o novo curso terá possibilidade de fazer a diferença naqueles em que tocar. Enquanto escrevo, recebo uma mensagem sua. Já está em Frankfurt. Prepara-se em sorriso renovado para
recomeçar a trabalhar.
Nisso não
pensa Hanna. Pediu seis meses de licença sem vencimento. O
tempo de viagem até ao momento em que a conheci, também em Belize. Preparava-se para mais seis meses sem regressar ao trabalho.
Pela primeira vez passará o Natal fora da Alemanha. A sua família viajará até Cuba, onde todos se juntarão para
a ceia. Será uma experiência nova. Como será comer as rabanadas na praia?
Ainda não é este ano que tal acontecerá comigo. Ainda não é tempo de pensar nisso. Estamos em Agosto, e eu no México.
Ao atravessar a fronteira desde o Belize, regozijava-me por mais um sonho quase
cumprido. Nesse dia conheci a Rachel no albergue de Bacalar - o 'pueblo mágico', onde se pode contemplar a Lagoa das Sete Cores. Esteve a estudar em
Oaxaca e viaja pelo México, com destino a Belize... desejo-lhe a mesma
sorte que experienciei
nessas águas onde pela primeira vez nadei com tubarões**.
2 de Agosto, 2015
Bacalar, México
**http://escrevendo-me-escrevendo-te.blogspot.mx/2015/08/nadando-com-tubaroes.html