McGinnis - via ondiraiduveau (flickr)
E assim se (re)começa. A paixão é o seu alimento.
Despertou sem que o desejasse. Preferia o sono. O sol entrava inadvertidamente
pelos espaços em aberto. A claridade eram sombras que na parede desenhavam
almas em movimento.
A cama inóspita não está isenta de culpa e Margarida
saiu para o mar. O azul índigo no olhar reflectia a paz de António.
-
António, porque demoras?
- E não sabes
tu que esperar é uma arte que se aprende... devagar? – a resposta que se
desprendeu na areia ao ser beijada pelas primeiras ondas da manhã.
-
António,
porque demoras?
- E não sabes
tu que o tempo é intemporal e que a tua pele se senta... devagar? – a resposta
que se sucedeu na vaga da primeira maré.
-
António, porque demoras?
-
E não sabes tu que o amor te toca... devagar?
Sim, sabia, Margarida. Sabia, mas não sentia.
-
O que é o amor, António?
- É a poesia
transformada em gesto. É o olhar transposto na palavra certa. É o aroma da
maresia no poente.
- Oh, António,
não sei do que falas, se não me abraças no teu colo. Não sei do que sentes se
não me beijas com as mãos.
E assim se (re)começa o dia em que a noite ficou
sepultada no colchão negro. Margarida elevou a mão conduzida pelo braço
esquerdo. Queria respirar o oxigénio de António. A urgência que ainda não fora
concretizada.
-
António, porque demoras?
- E não sabes
tu que nunca fui embora? Porque me chamas se estou aqui? Sempre!
Imóvel, acocorada à beira-mar, tendo o horizonte no
olhar, Margarida esperava. Esperar. Saber esperar...
Saber esperar que o horizonte seja alcançável é a
confiança vivida. Saber esperar, o sinónimo de confiar. Margarida sabe, mas não
sente. Ainda aprende a confiar.
-
António, porque demoras?
- Banalidades.
Margarida, banalidades. Os teus sapatos pretos de verniz contrastam com as
minhas sandálias de corda. O teu Inverno, a minha Primavera. Confia que os teus
botões em breve te resgatarão ao amarelo das tuas pétalas. Quando desabrochares
– devagar – verás como a confiança te renovou, te renasceu. Banalidades.
Margarida, banalidades. As tuas pétalas receberão, serenas, as abelhas ávidas e
serás, então, o pólen da vida. E não sabes tu que o mar está sempre no seu
lugar e é sempre novo em cada vaga de ondas, em cada cardume que o trespassa em
migração?
Margarida fechou os olhos, recostando-se placidamente
na areia. Os pés, agora, nus, permitem a água salgada na ressonância de um
murmúrio. Esperar, pensar... e amar?
-
O que é amor, António?
- É uma carta
perdida. Palavras não lidas que apenas podem ser vividas. É um selo sem cola
que se desprende na brisa. É um envelope sem remetente que busca o destinatário
perfeito.
- Não demores,
António, que não sei esperar. Ainda. O verbo parou e estou pálida sem a cor do
teu abraço em beijo. Vem, que a lua é nova e eu cada vez mais velha. Chega, que
as estrelas brilham e o olhar vai-se tornando opaco. Fica, que os meus braços
estendidos são as pernas que se afundam e eu sem saber, sem sentir... o que é
amor.
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