Em Agosto desse
ano fiz a minha primeira viagem sozinha. Quer dizer, mais ou menos. Inscrevi-me
para embarcar no navio-escola Creoula da Marinha Portuguesa, através da
associação Juvemedia. Onze dias no mar, integrada num grupo de jovens que me
eram totalmente desconhecidos. Não fazia a mínima ideia do tipo de pessoa que
iria encontrar.
Antes de
embarcar, no dia 19 de Agosto, e por sugestão do meu chefe – “Oh Ana, eu acho
que devia pintar o cabelo...” (referia-se à cor natural, presumo) – decidi
retocar o look vamp. Descolorei o cabelo novamente! Dessa vez não pintei
nenhuma cor sobre o oxigenado. O efeito foi diferente. Talvez pelo facto de o
cabelo estar mais frágil, a tonalidade resultante foi... alaranjado! Do
esverdeado ao cinzento para o loiro e então alaranjado... Isso foi apenas nos
primeiros dias. Rapidamente fiquei loiríssima novamente. E com uns óculos muito
fashion.
A minha querida
amiga P. é que fez o carinho de me levar ao cais da marinha. Um dos objectivos
do Creoula é divulgar a vida no mar a bordo de um lugre de quatro mastros,
através deste tipo de iniciativa. Ali estavam cinquenta jovens, distribuídos
por vários grupos, que ao longo desses dias desempenharam as diversas tarefas
dos Quartos. Cada grupo de instruendos – assim éramos designados – rodava nas
funções dentro dos Quartos. Ao soar da alvorada, às sete da manhã, cada grupo
dirigia-se para a sua nova função: leme, vigia à proa, ponte ou navegação,
cozinha, limitação das avarias (o que na gíria era ir para a casa das máquinas)
e refeitório – basicamente limpezas, sobretudo das casas-de-banho. Também
tínhamos várias fainas ao longo do dia.
Em relação às
camaratas (uma para as raparigas e outra para os rapazes) cada um tratava da
sua parte. Fiquei numa cama superior. Tinha uma ou duas raparigas por baixo de
mim.
O meu grupo era
o dos mais velhos. A maior parte dos elementos conhecia-se entre si; eram quase
todos de Aveiro. O H. também. A minha paixão assolapada durante essa viagem. Os
seus olhos verdes de carneiro mal-morto atravessavam-me e eu só o via a ele.
Como aliás costuma acontecer. Sempre que me apaixono é perdidamente. O H. não foi
excepção.
Uma das noites
mais bonitas da minha vida foi a bordo do Creoula. O grupo estava todo deitado
na proa a contar estrelas no céu, que estava tremendamente limpo. Nunca vi
tantas estrelas. O alto mar é o cenário ideal para essa contemplação e como é
óbvio isso não nos passava ao lado.
O barco atracou
em algumas cidades. Uma delas foi Ceuta. Ainda tenho um colar que aí comprei –
em tons de cor-de-rosa – enquanto passeávamos pela mais moura cidade espanhola.
O Hardrock Cafe foi paragem
obrigatória. O passeio marítimo com os azulejos coloridos está guardado no baú
da memória.
Foi nessa
cidade que vi pela primeira vez homens hetero de mão dada. Os muçulmanos são
muito afectuosos. Ou antes, demonstram facilmente os afectos entre si, pelo
menos entre homens.
A última
paragem foi na praia de Portimão. Foi a desbunda total. Estavam lá uns amigos
do J. Tive oportunidade para outra estreia, também no mar. O J. dominava o
catamaran e levou-me na embarcação de um amigo seu. A mim, ao H., e a outros do
grupo, num passeio no mar. Foi tão bom! Estava um dia lindo. Em Agosto, como é
habitual, a praia do Algarve estava repleta de gente. E nós éramos mais um
grupo: ávido de muitas aventuras.
Talvez não tão
ávidos assim. Pelo menos quando se dá o caso da temperatura estar próxima dos
quarenta graus. Tal sucedeu antes de Portimão. O Creoula também atracou em
Alicante, dias antes. Nesse dia estava um autocarro à espera dos creolinos para
conhecer em Sevilha. Agosto é o pior mês para visitar essa cidade. Quase toda a
gente sabe isso. Eu não sabia. Mas acreditava nos meus novos amigos.
O nosso grupo
decidiu então desertar por um dia da Marinha. Ficámos em terra a observar o
autocarro cheio de gente mais nova que nós a olhar pela janela. E nós sempre a
olhar pelo canto do olho... para a praia de Alicante. Apanhámos outro
autocarro, daqueles hop-on-hop-off e
fomos para a praia e rapidamente nos estatelámos na areia.
Em Alicante a
água era convidativa. Muito. De modo que foi à pressa, sem pensar no que tinha
no corpo, que mergulhei. Só quando emergi me lembrei. Os ósculos CD,
cor-de-rosa! Mergulhei de óculos! E os óculos ficaram mergulhados. Nunca mais
os vi... Naquele momento petrifiquei. Era então uma creolina loira muito
triste. Já não era a mesma sem os óculos cor-de-rosa da CD.
O H., muito
amoroso, ofereceu-me os seus para o resto da viagem. O H., com a sua toalha às
riscas azul e branca enrolada na cabeça, é uma das imagens vívidas que conservo.
Um marajá das índias, um sultão das arábias. Foi nesse dia que nos colámos com
o primeiro beijo.
Quando voltámos
ao barco, após tantas horas em terra, cometemos um erro crasso de
principiantes. Não tomámos pastilhas contra o enjoo - tomara uma antes de
embarcar em Lisboa. Coincidência ou não, essa foi a noite em que o mar mais se
ondulou. Era ver a loiça na messe de um lado para o outro, nas mesas a
inclinarem-se, enquanto preparávamos pela primeira vez o que viria a ser a
nossa bebida de viagem: os creolinos. A versão sem álcool do mojito cubano. “Vai um creolino?” Além dos
creolinos tínhamos a música para celebrar essa cultura. Alguém tinha um CD com
músicas latino-americanas que tocava em modo contínuo, para dançarmos e
cantarmos. Era um fartote!
Nessa noite,
porém, o meu Quarto não correu muito bem. Estava na vigia à proa. O mar estava
revolto. E tive de ir para a messe. As mesas mexiam-se muito para os meus
olhos. Os pratos a deslizarem de um lado para o outro aumentaram o meu
mal-estar. O estômago pensou o mesmo e revoltou-se. Os creolinos também devem
ter tido a sua quota de responsabilidade. E o estômago não aguentou. Enjoei.
Fiquei muito enjoada. Tão enjoada que virei o barco no barco.
No dia 30 de
Agosto, ainda com os óculos do H., e não com os CD, desembarquei no mesmo cais
de onde parti. Ainda mais loira. Já se sabe o que o sol faz. Se a fotografia da
praxe mostra uma rapariga bem-disposta sob um céu exuberantemente azul, cálculo
que os óculos os cor-de-rosa lhe dariam ainda mais glamour. O bronzeado era outro elemento a dar cor e alegria à
fotografia. Foram dias memoráveis. Obrigada H. e a todos os amigos de Aveiro.
Adorei!
De todos os
creolinos apenas o H. é hoje ‘amigo’ no Facebook. Mas nos meses seguintes fui
várias vezes a Aveiro. Não apenas por ele. Também para participar nos jantares
que se organizaram com periodicidade. Um deles foi em casa do J. Convidou uma
amiga sua para uma sessão de slides fotográficos. Passámos um serão muito
interessante. Pasmávamos extasiados com as fotos e as histórias que ela
contava. A sessão era dedicada à sua viagem de barco até à Antártida!
Em Agosto do
ano passado (2014), o Creoula esteve atracado no cais da Ribeira. Nesses dias
recebia a visita de uma amiga perdida dos tempos dos Olivais. Eu e a I. entrámos
no navio e tirámos fotografias para a posteridade e que me transportaram para
esse tempo creolino... e cor-de-rosa.
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