Os óculos do Creoula - parte I



Em 2000 eu tinha a mania que era muito fashion. Foi nesse ano que fiz o que muitos ainda hoje consideram uma loucura: descolorei o cabelo. Duas vezes seguidas! Em Maio desse ano, num Sábado à tarde, véspera de o Sporting se consagrar campeão nacional, depois de dezoito anos de jejum, fui ao cabeleireiro. Vá-se lá saber porquê, quis pintar o cabelo de cinzento.
Nessa época usava um corte curto e gostava de me sentir diferente. Como tal, nada melhor que ter um look distinto. Como? De cabelo cinzento. O meu cabelo é castanho claro. Para obter a cor escolhida era necessário, de acordo com a cabeleireira, descolorar primeiro o cabelo, para então pintar o cabelo da cor das pessoas velhas.
Passei essa tarde sentada no cabeleireiro. A tinta não pegou à primeira. Tentou-se segunda vez. Nessa noite, a primeira da queima das fitas, tinha jantar com os colegas de curso. Quando cheguei ao restaurante, o Meidin da Rua Cinco de Outubro, ficaram todos especados a olhar para mim. Incrédulos. O meu cabelo, afirmavam estupefactos, estava esverdeado. Bom, pelo menos tinha alcançado o objectivo: ser diferente. Talvez demais.
Era noite do concerto dos The Gift no queimódro. Seguimos para lá depois do jantar. Toda a gente olhava para mim. A noite estava muito iluminada, previsivelmente. Comecei a achar que se calhar o meu cabelo teria algo realmente estranho. Ao olhar para o espelho concordava que havia uma leve tonalidade verde. “O teu cabelo está verde!” – era um exagero aos meus olhos.
Domingo. Último jogo do campeonato: Salgueiros – Sporting. Os bilhetes eram caríssimos. Não fui ver o jogo. Antes do jogo acabar, eu, o meu irmão e a sua namorada estávamos no exterior do estádio. Sendo ela portista ferrenha, não nos acompanhou nos cânticos de guerra: “Sporting Alê!”; “Só eu sei porque não fico em casa”.
Não fiquei em casa, mas teria sido melhor. O que me valeu foi a versatilidade do cachecol de campeão, que enrolei à cabeça para tapar o cabelo... que cada vez me parecia mais verde.
Na segunda-feira fui trabalhar... mas pouco. Um colega com quem me dava bem, ao ver-me desatou a rir: “o teu cabelo está verde! É por causa do Sporting?!” Uma interrogação que soou mais a afirmação e a declarada gozação. Foram poucos na faculdade que me viram de cabelo verde. Uma das pessoas foi o meu chefe. Poucas pessoas, mas as suficientes para se contar a história até hoje que a Ana Luísa pintou o cabelo de verde por promessa. Ao fim de dezoito anos o Sporting era finalmente o campeão nacional.
Vergonha: o meu estado. Nem uma hora fiquei na faculdade e fui dar uma volta ao parque da cidade. Com um lenço na cabeça: fundamental! À tarde voltei ao cabeleireiro. Após algumas horas lá atingi o que pretendia: cabelo cinzento.
Se cabelo verde é estranho, não é menos estranho ser cinzento: de propósito. Um choque para toda a gente. Como é que é possível alguém lembrar-se de pintar o cabelo dessa cor? A única explicação que até hoje encontro é a inicial: ser diferente e mostrar que efectivamente era diferente.
Dizem os astros que pessoas do meu signo - para quem acreditar nessas coisas, claro está - tendem a nascer velhas e que ao longo da vida é que se vão tornando mais jovens, quiçá até à infância. Uma teoria que em muito me agrada, pois ajuda-me a acreditar que sim, é possível ser infantil quando e como quiser.
Na época em que o meu cabelo se tornou cinzento, tinha vinte e seis anos. Não parecia uma velhinha e até gostei do resultado. Apreciei sobretudo a consequência do acto. O cinzento rapidamente desapareceu. A tinta não era realmente tinta. Era um produto que vai saindo com as lavagens (as mulheres sabem ao que me refiro).
Nessa época era instrutora de fitness e não era raro necessitar de lavar o cabelo mais que uma vez por dia. O cinzento deu lugar a outra tonalidade. Fiquei loira! Loira, de cabelo curto.
O meu chefe: atónito. Uma loira oxigenada no seu gabinete. Eu trabalhava há meia dúzia de meses na faculdade e já era o centro das atenções. Na sua opinião, pelo pior motivo possível. Loira! A música do Gabriel, o pensador era recente. E o meu chefe tinha a forte convicção - pelo menos assim me parecia - que o estereótipo tinha a sua razão de ser. Essas piadas não me afectavam. Em tom de brincadeira até me ajudam em alguns momentos de pensamento mais lento e quando não compreendo o que me dizem: “tens que me trocar isso por miúdos” ou “tens de me fazer a legenda... resquícios do meu tempo de loira”. Não obstante, nunca me senti limitada no que à inteligência diz respeito. Os burros são animais muito amorosos. Em Portugal existem várias associações com a missão de preservar a sua espécie. Estava loira, orgulhosamente loira.
À medida que o cabelo ia crescendo a raiz escura ia-se notando. Esse efeito também me agradou. Usava gel. Raiz escura com pontas loiras. O contraste era grande. O castanho claro parecia mais escuro com o loiro oxigenado. Era o máximo. Assim me sentia. E era isso que também gostava de transmitir. Através da imagem. Os acessórios eram, por isso, cuidadosamente escolhidos. O meu salário era mais que suficiente e também era, muito, para isso que servia.
‘Precisava’ de óculos escuros. Maio, Junho... Essencial. Desejava uns óculos que revelassem a minha personalidade distinta. Encontrei um modelo perfeito. Com lentes rectangulares, com dois dedos de largura (só para registo: a minha testa tem mais de quatro dedos de largura), da marca Christian Dior (CD) e cor-de-rosa, quase a roçar o salmão. Uau! A expressão que escutava interiormente ao mirar-me no espelho. Loira com óculos escuros cor-de-rosa e da CD!
Continua...

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