Uma
tesoura na secretária. Isolada em si. Ninguém se recorda da sua existência,
apesar de ter sido claramente útil em outros tempos. A falta que se prende
nesse objecto cortante é a angústia de quem sente uma saudade intransponível.
Afiado,
ainda, esse objecto solitário pousado numa mesa vazia. A solidão que a preenche
completa-se no modo metálico que se rasga em dois. Num grito mudo pede o colo a
que já não tem direito. Essa autorização levou-a a infância macia de uma
anatomia perdida. Mesmo que se mantenha acerada e prestável, a falta de se
sentir em falta apenas a si lhe assiste. Não há tempo que lhe traga a fraqueza
de um adeus inevitável e para sempre esquecido. Não é só por si que deseja cortar,
golpear, lacerar, sulcar de novo, nem que seja por um segundo... não muito
rápido.
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