Entre as diversas datas comemorativas de Fevereiro,
este mês detenho-me no dia 14 – o dia dos namorados ou dia de São Valentim.
O dia dos namorados
sempre me encantou. Mesmo que nesta fase não seja namorada de ninguém, ou, como
se diz em certas regiões, não namoro para ninguém.
Quando fomos morar
para uma vila da Maia, perguntavam-me amiúde para quem namorava eu – note-se
que não tinha mais de catorze anos. Uma expressão bizarra, para mim. Não apenas
pela minha tenra idade (coíbo-me de confirmar se teria ou não um namorico, ah, ah),
mas também pelos termos incluídos: namorar para este ou aquela.
Namora-se para alguém
ou com alguém? Preciosismos à parte, há uns tempos, a questão transformou-se
durante uma conversa com uma desconhecida, que me dizia: “Ah, o meu namorado...
Não é meu nada. Não é uma coisa que possa trazer comigo no bolso. Isso é apenas
uma etiqueta social...”
Na perspectiva daquela mulher, o ‘meu namorado’
carregava o peso da possessão. O ‘meu’ namorado, o ‘meu’ marido... O pronome
possessivo antes do sujeito, neste caso de um namorado, passa-me ao lado, nos
dias de hoje. De qualquer modo, a palavra namorado e as da sua família, como
enamorado, ou enamoramento sugerem-me devaneios em forma de sorriso.
Estar enamorada por alguém ou por uma causa ou por um
lugar, é um estado que, em meu entender, imprime energia amorosa aos gestos, às
palavras, às acções, até às mais corriqueiras. Até mesmo na fisionomia. O rosto
de alguém profundamente enamorado resplandece e, com muita facilidade, reflecte
e espalha e projecta o seu enamoramento naqueles que o/a rodeiam.
Os olhos de quem está enamorado são especialmente
selectivos: observam beleza e alegria em quase tudo e todos – daí as expressões
prosaicas: o amor é cego ou quem feio ama, bonito lhe parece. Ainda assim, é de
salientar esta possibilidade manifestamente doce aquando do enamoramento (e
reforço, seja por uma pessoa, causa ou lugar): a de a pessoa enamorada admirar
amorosamente o mundo em redor. Ao ponto, creio eu, de se desviar de forma
consciente do que aparentemente seria desagradável, desconfortável e outros
adjectivos que os namorados tendem a ignorar naquele estado de deleite.
Também aprecio esta data pelo simbolismo decorrente de
uma das lendas que estará na sua génese: a história de São Valentim.
De acordo com a informação recolhida, as comemorações
no dia 14 de Fevereiro estão associadas a uma festa de fertilidade na Roma
Antiga: o festival Lupercalia – uma festa de homenagem a Juno – deusa da mulher
e do casamento – e a Pan – o deus da natureza.
É provável que a relação com os namorados decorra, no
entanto, de uma lenda sobre o bispo Valentim que, no século III d.C., terá
infringido o decreto imperial de Cláudio II. O imperador havia proibido a
realização de qualquer casamento. Garantia, dessa maneira, a disponibilidade
dos homens solteiros para serem soldados e assim integrarem os exércitos e as
legiões, uma vez que os solteiros seriam os melhores combatentes.
O sacerdote continuou a casar todos aqueles que lho
pediam, até ao dia em que foi descoberto e preso e torturado e condenado à
morte. Enquanto esperava a execução da sua sentença, muitos foram os jovens que
lhe enviaram flores e bilhetes afirmando que continuavam a acreditar no amor.
Ah, o amor...
Existe ainda outra história para o mesmo sacerdote. A
de que com efeito teria sido condenado à morte pelo mesmo imperador. Enquanto esteve
preso ter-se-á apaixonado pela filha de um carcereiro. A donzela terá sido
tocada pelo bispo, vivendo então um milagre: o de ganhar a visão, uma vez que,
segundo a lenda, a bela mulher seria cega1. Ora, no seu último
adeus, Valentim sabendo que a sua apaixonada poderia então ler, escreveu-lhe
uma mensagem, assinando ‘Seu Valentim’ ou ‘Seu namorado’.
Qualquer invenção ou semelhança com a vida real é
irrelevante, na medida em que está mais do que visto que o dia 14 de Fevereiro
está aí para dar e vender postais, prendas, presentes, jantares e tudo o que se
quiser ou puder, com o dia dos namorados.
Ora, escrever um postal ou uma carta (e, claro,
receber um postal ou uma carta) é uma das demonstrações amorosas que mais me
delicia (fica a dica). Por conseguinte, vou aproveitar a inspiração deste dia
para enviar uma carta ou postal a alguém. Quem sabe eu própria venha a
encontrar algo na caixa do correio...
PS: O dia 10 também passou a ser uma data relevante
para mim – foi há um ano que a avó
Altina partiu...
1. Neste texto utilizo o termo ‘cega’, pois depreendo que na época as
discussões (teóricas) sobre a concepção de deficiência estivessem ausentes.
Prefiro, no entanto, a expressão ‘pessoa com deficiência visual’. Desta forma,
a deficiência é secundária à pessoa, sendo uma característica e não um rótulo
limitador (é a minha perspectiva).
*Este texto foi publicado no jornal Chapinheiro
Na minha terra (Xãun Xepriáno - rejénde) há o António que 'namora para a Alice sem ela saber'...
ResponderEliminarOs seus textos são tão vivos que 'vi' um montão de imagens. Gosto de ler o que escreve!