O que os nossos olhos viam
É provável
que seja do conhecimento de poucos. Na década de 1980 existiu uma piscina em
Nogueira do Cravo. Ou antes, ou melhor, se calhar era uma piscina apenas para
uns quantos. Para umas quantas crianças e adolescentes.
As férias
de Verão nessa época eram muito longas. Em vários sentidos que o tempo pode ser
percepcionado e vivido. Não havia telemóveis, muito menos telefones espertos,
nem tão-pouco tabletes (só de chocolate) e outros dispositivos electrónicos.
Está bem, tínhamos um tijolo onde escutávamos as cassetes do Bryan Adams e o
spectrum chegava a alguns. Pouco mais; por isso, as crianças e adolescentes
tinham apenas uma ocupação nas férias: brincar. Às vezes também liam – nos dias
em que a chuva nos surpreendia e não permitia brincar... na rua.
As tardes
eram, por isso, realmente grandes. A distracção da brincadeira em Nogueira
provinha de quando alguém chamava: “Oh Sóniaaaaaa, onde é que tu andas??? Oh
Lisete, anda cá!!” Pequenas interrupções que rapidamente eram ultrapassadas por
um desígnio mais elevado: brincar!
Num desses
Verões em Nogueira do Cravo, o tanque do Nelo e do Nando foi a diversão eleita.
Estava em desuso: a rega e a roupa não eram para ali chamadas. Vai daí, alguém
se lembrou: “e se fizéssemos desaparecer a divisória e transformássemos o
tanque na nossa piscina?” Uma ideia luminosa unanimemente aceite. Na realidade,
não houve sequer discussão sobre a derradeira utilização do tanque antiquado: a
de tomar banho nas tardes quentes de Nogueira. Até porque nenhum de nós tinha
carta de condução para ir para as Caldas de São Paulo. Por conseguinte, é fácil
de ver que no nosso imaginário, os banhos logo entrevistos seriam muito mais
que simples banhos. Em primeiro lugar, porque a água seria inevitavelmente fria
e, em segundo lugar, porque o objectivo era só um: brincar ainda mais. Dessa
feita, na água e com muita água – mesmo que gelada.
Não
obstante, antes de tal ser possível, era necessário colocar mãos à obra. De
maneira que era imperioso esboçar um proto-plano. Proto, no sentido em que os
planos eram poucos ou nenhuns: rebentar com o muro que tornava o tanque duplo.
Só queríamos um e o maior possível: como é óbvio! Pois bem. Que fazer então?
Arranjar ferramentas que permitissem derrubar a tal divisória. As marretas e
outros utensílios do género, os nossos auxiliares, ou melhor, os nossos
brinquedos. Escusado será dizer que durante várias tardes essa era a nossa
brincadeira preferida: acabar com o murete.
Os pais do
Nando e do Nelo rapidamente se arrependeram do aval concedido. Isso, como é
óbvio, não demoveu os filhos, nem tão-pouco os seus compinchas: o Nuno, a
Lisete, a Sónia, a São, o Zé Fernando, o Chalana, a Ana e talvez os irmãos mais
novos dos mesmos e mais um@ outr@ garot@. A memória, já se sabe, tem destas
coisas e trinta anos volvidos não me é fácil restabelecer com precisão quem ali
se divertia à grande. Caso @ leitor@ também integrasse o bando, por favor,
queira ser condescendente e compreenda que esse tipo de falhas calha a tod@s.
Os pais do
Nando e do Nelo não eram certamente os únicos que estariam um pouco – reforço o
pouco – incomodados. O barulho das pancadas, marteladas, bordoadas, mocadas e
outros sinónimos que promoviam a nossa feliz algazarra eram a constante. Já
para não falar da roupa: ficava num estado miserável. Mas isso, presumo, seria
de somenos importância. Era para isso que servia. Naquela época, as vestimentas
das crianças tinham como único propósito tapar-nos – não muito, era Verão. As
marcas xpto não as conhecíamos; nem sequer lhes dávamos a importância que
posteriormente lhes daríamos. É natural, as crianças deixam de o ser, da
adolescência desprendida à juventude peneirenta é um pulo. Só então – actualmente
penso ser muito mais cedo que tal acontece – a indumentária passaria a ser um
elemento relevante para se ser mais ou menos estilos@.
Na década
de 1980, em Nogueira do Cravo, o que nos importava eram mesmo os mergulhos que
poderíamos dar após concluída a tarefa premente. E assim, ao fim de três ou
quatro tardes, tínhamos uma verdadeira piscina – mesmo que ainda vazia. Esse
foi então o passo seguinte: encher o tanque de água. Não só, como se calcula. A
água do poço estava a uma temperatura próxima do limite polar quando encheu a
nossa já piscina. Era imprescindível que o sol tomasse as devidas providências.
E nós, como tínhamos todo o tempo do mundo... Relembro que nessa década do
século passado as férias eram de pelo menos três meses. Não existiam
actividades compradas e programadas pelos pais. O que eles faziam, no meu caso
e do meu irmão Miguel, era mandar-nos pelo menos um mês para casa dos meus
queridos avô Alfredo e avó Altina. Lisboa estava a quatro horas de distância –
hoje o meu tio chega em pouco mais de uma hora. Como tal, enquanto a água
aquecia só nos restava fazer uma coisa: brincar a outra coisa qualquer.
A piscina,
depois de alargado o tamanho e plena de água menos fria – apenas menos, note-se
– estava pronta para o resto. O resto – não era o mais importante: o
antecedente fora vividamente aproveitado e brincado.
Os
mergulhos, as bombas, as amonas não estão postadas no FB. Há esta memória.
Estou certa que aqueles que comigo brincavam a terão igualmente amorosamente
guardada. As histórias, mesmo que só histórias como esta, são de quem as viveu:
eu tive o privilégio de brincar no tanque, ou antes piscina, ok, proto-piscina,
com os meus queridos companheiros dessas e muitas brincadeiras em Nogueira do Cravo.
O que os outros veriam
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