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Escrevo
no dia seguinte à morte de Dolores O’Riordan. Para mim, era uma pessoa muito
querida. Não que a conhecesse, mas o facto de ter passado uns bons dias na sua
cidade natal, Limerick, na Irlanda, faz-me sentir um pouco mais próxima da sua
voz encantadora.
Dolores O’Riordan era a vocalista de uma banda de música rock que muito aprecio.
E a sua morte emocionou-me profundamente. Por vários motivos. Desde logo pela
sua juventude. Dolores, a cantora dos The Cranberries, viveu ‘apenas’ 46 anos.
As aspas devem-se às expectativas que a famigerada esperança de vida
contemporânea nos cria. Além disso, como me faltam ‘apenas’ dois anos para alcançar
aquela idade, as circunstâncias da sua morte aumentam, diria de forma
inevitável, a minha apreensão. Morte súbita – causa desconhecida.
Foi num romance de
Pascal Mercier – Comboio Nocturno para Lisboa – que certas indagações ganharam
forma, no que à morte concerne. Curioso é o facto de estar a escrever enquanto
viajo de comboio desde Lisboa.... Dizia eu que certas questões se
materializaram em palavras, dado que o autor suíço me ajudou a visualizar e
assim a compreender a angústia face à possibilidade de morrer, bem como o
receio, digamos assim, da morte de pessoas que me são mais ou menos próximas.
Quando me reporto
à proximidade refiro-me em termos abrangentes. Há pessoas que desconheço
fisicamente, mas em relação às quais sinto uma espécie de ligação. É o caso de
Dolores O’Riordan. Ainda que não tenha tido sequer a oportunidade de assistir a
um concerto da sua banda, o choque que a sua partida me causou ainda reverbera
no meu ser.
Na verdade, a
morte de outros artistas, cantores, intelectuais e outras pessoas publicamente
reconhecidas, suscita-me tristeza. Claro que quando se trata de pessoas jovens,
mais ou menos famosas, a incerteza quanto ao derradeiro fim, associada ao
questionamento do sentido de viver, assalta-me, qual larápio dos homens.
Foi em 2009. Na
primeira vez que li a passagem seguinte do referido livro, gastei uma boa
quantidade de folhas a especular acerca da vida que projectara. Estaria eu a
VIVER?
“E assim poderíamos descrever o medo da morte como o medo de podermos
não vir a ser aquilo que aspirávamos ser, ou para o qual nos projectámos”.
Desde então que
engendrei formas para estar aqui com outra atitude... Nem sempre do melhor
modo.
De resto, os CD’s
dos The cranberries foram a banda sonora de muitas viagens de carro, onde a voz
de Dolores era posta em causa pelo volume da minha própria voz, ou das pessoas
que me acompanhavam. Mais da minha. Gosto de partilhar a boa disposição, mesmo
sabendo que por vezes posso ser excessiva, nomeadamente ferindo os ouvidos dos
meus acompanhantes. Ou bem que se juntam à cantoria, ou têm de ser deveras
pacientes e compassivos para comigo.
Voltando à
experiência sonora que a esta artista me providenciou, e que muito agradeço,
reconheço nela, bem como em todos os músicos e cantores, o poder de tornar certas
vivências inesquecíveis e intemporais, nem que sejam ‘apenas’ alguns instantes
num local, com alguém mais ou menos especial.
Quem não se lembra
de lugares, pessoas ou mesmo experiências ao escutar determinadas canções? É o
caso de Linger – é uma das minhas
músicas preferidas. Há 25 anos que a escuto; quase sempre com os olhos
emudecidos. Há músicas assim. Há vozes assim. E a de Dolores continuará a ecoar
no meu coração...
16 de Janeiro, 2018
IC Lisboa-Porto
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