Ode a uma Música!


https://youtu.be/G6Kspj3OO0s?list=RDy_6ak9CYx48

            Escrevo no dia seguinte à morte de Dolores O’Riordan. Para mim, era uma pessoa muito querida. Não que a conhecesse, mas o facto de ter passado uns bons dias na sua cidade natal, Limerick, na Irlanda, faz-me sentir um pouco mais próxima da sua voz encantadora.
Dolores O’Riordan era a vocalista de uma banda de música rock que muito aprecio. E a sua morte emocionou-me profundamente. Por vários motivos. Desde logo pela sua juventude. Dolores, a cantora dos The Cranberries, viveu ‘apenas’ 46 anos. As aspas devem-se às expectativas que a famigerada esperança de vida contemporânea nos cria. Além disso, como me faltam ‘apenas’ dois anos para alcançar aquela idade, as circunstâncias da sua morte aumentam, diria de forma inevitável, a minha apreensão. Morte súbita – causa desconhecida.
Foi num romance de Pascal Mercier – Comboio Nocturno para Lisboa – que certas indagações ganharam forma, no que à morte concerne. Curioso é o facto de estar a escrever enquanto viajo de comboio desde Lisboa.... Dizia eu que certas questões se materializaram em palavras, dado que o autor suíço me ajudou a visualizar e assim a compreender a angústia face à possibilidade de morrer, bem como o receio, digamos assim, da morte de pessoas que me são mais ou menos próximas.
Quando me reporto à proximidade refiro-me em termos abrangentes. Há pessoas que desconheço fisicamente, mas em relação às quais sinto uma espécie de ligação. É o caso de Dolores O’Riordan. Ainda que não tenha tido sequer a oportunidade de assistir a um concerto da sua banda, o choque que a sua partida me causou ainda reverbera no meu ser.
Na verdade, a morte de outros artistas, cantores, intelectuais e outras pessoas publicamente reconhecidas, suscita-me tristeza. Claro que quando se trata de pessoas jovens, mais ou menos famosas, a incerteza quanto ao derradeiro fim, associada ao questionamento do sentido de viver, assalta-me, qual larápio dos homens.
Foi em 2009. Na primeira vez que li a passagem seguinte do referido livro, gastei uma boa quantidade de folhas a especular acerca da vida que projectara. Estaria eu a VIVER? 
 “E assim poderíamos descrever o medo da morte como o medo de podermos não vir a ser aquilo que aspirávamos ser, ou para o qual nos projectámos”.
Desde então que engendrei formas para estar aqui com outra atitude... Nem sempre do melhor modo.
De resto, os CD’s dos The cranberries foram a banda sonora de muitas viagens de carro, onde a voz de Dolores era posta em causa pelo volume da minha própria voz, ou das pessoas que me acompanhavam. Mais da minha. Gosto de partilhar a boa disposição, mesmo sabendo que por vezes posso ser excessiva, nomeadamente ferindo os ouvidos dos meus acompanhantes. Ou bem que se juntam à cantoria, ou têm de ser deveras pacientes e compassivos para comigo.
Voltando à experiência sonora que a esta artista me providenciou, e que muito agradeço, reconheço nela, bem como em todos os músicos e cantores, o poder de tornar certas vivências inesquecíveis e intemporais, nem que sejam ‘apenas’ alguns instantes num local, com alguém mais ou menos especial.
Quem não se lembra de lugares, pessoas ou mesmo experiências ao escutar determinadas canções? É o caso de Linger – é uma das minhas músicas preferidas. Há 25 anos que a escuto; quase sempre com os olhos emudecidos. Há músicas assim. Há vozes assim. E a de Dolores continuará a ecoar no meu coração...

16 de Janeiro, 2018
IC Lisboa-Porto

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