Quantas mentiras terei pregado ao longo dos anos no dia 1
de Abril?
Foi na infância que mais me diverti a enganar alguém nesse
dia. Todavia, quase sempre fui eu quem foi tomada à certa, sendo ingenuamente
enganada com uma mentira inocente. Haverá mentiras inocentes?
Quando estive na Austrália, conheci um homem – o Des – que
à pergunta “é feliz?”, respondeu firme e peremptoriamente: “o mais importante
para mim é a verdade. Doa a quem doer”. Claro que este ‘doa a quem doer’ é uma
expressão portuguesa. Terá sido o que Des queria dizer ao afirmar: “para mim o
mais importante é a verdade”.
Ora, há muitas verdades. A minha verdade, que resulta das
minhas experiências, da minha vida. A verdade de todas as outras pessoas, com
vidas distintas da minha. A verdade, diz-se actualmente, é relativa. Com
efeito, a perspectiva com que cada pessoa observa um ‘facto’ concede-lhe isso
mesmo: a sua perspectiva. Daí que seja comum escutar-se: a verdade depende da
perspectiva.
De qualquer modo, ao ouvir muitas conversas, observo com
frequência que não só cada pessoa possui a sua verdade, como considera a sua
como a única verdade.
A Verdade, aquela que será eventualmente a única Verdade,
só é possível de sentir. Essa Verdade é intransmissível por palavras. Será, a
meu ver, indizível. Há instantes tão intensos de plenitude existencial que a
única coisa que me ocorre dizer é: “É ISTO!” Como quando nasceu o meu sobrinho
Gonçalo e o peguei pela primeira vez – imagino que as mães sintam muito essa Verdade
ao longo da sua vida. Como quando abraço alguém muito querido. Como quando
contemplo o nascer do sol, umas vezes em lugares muito especiais como o Pico do
Arieiro, outras vezes tão perto como o Parque da Cidade do Porto. Ou como quando
observo o pôr-do-sol à beira-mar de uma praia deserta. Ou simplesmente quando
consigo escutar o silêncio no deserto.
Talvez por isso, para mim, não faça muito sentido discutir
acerca de quem tem razão ou não, de quem possui ou não a verdade. Além do mais,
evito impôr a minha verdade. Cada pessoa tem a sua forma de pensar, de sentir.
Cada pessoa é livre de ser como é, ou pelo menos tem a liberdade de ser como
quer ser e de pensar o quer pensar. E novamente o tema da liberdade...
Pese embora já me tenha detido sobre este tema mais do que
uma vez, queira o leitor ou leitora ser compassivo comigo. Sou incapaz de
passar ao lado da comemoração da liberdade em Portugal. O dia 25 de Abril
continua a ser, para mim, uma das datas mais importantes a comemorar, a
lembrar, a celebrar e, sobretudo, a viver!
O mês de Abril é fértil em datas relevantes. Além do dia da
Liberdade, não será demais lembrar o da Liberdade de Imprensa (no dia 13).
Muito se tem discutido sobre o assunto, em particular a propósito do semanário
francês de Charlie Hebdo. Como referi anteriormente, não discuto opiniões. O
que para mim mais sobressai no que a esse assunto concerne, é a questão da
Liberdade universal. Quando reivindico a liberdade de ser, pensar e escrever o
que quero, lembro-me de um princípio fundamental: a minha liberdade termina
quando começa a dos outros. O que implica necessariamente outro princípio
elementar: o do respeito por todos os seres vivos.
O respeito pelo planeta também... O dia da Terra é a 22
deste mês. Temos, pois, mais uma oportunidade para reflectir acerca de como
melhor agir, se queremos um futuro não apenas para nós, mas para os que ainda
virão.
O conceito de
Respeito é muito vasto e abarca quase todas as dimensões da vida humana. Uma das
formas de o viver, por exemplo, é o de considerar o trabalho de todos os
artistas. O dia dos direitos de autor – e do livro – envolve essa mesma
dimensão. E como tantas outras datas, a existência desta (dia 23) remete-nos
para a necessidade de respeitar o autor. Seja de música, de literatura, seja de
qualquer forma de arte e cultura. Parece-me que vale a pena pensar um pouco
sobre o modo como de vez em quando, mesmo que sem intenção, acedemos a
conteúdos de forma menos correcta. O dia 26, dedicado à propriedade
intelectual, reitera o anterior. Naturalmente que se pode questionar o acesso
aos conteúdos, sendo certo que a partilha é um dos argumentos realmente fortes.
Contudo, fica a sugestão...
Para além do dia do livro em geral, o mês começa logo (dia
2) com o dia internacional do livro infantil. Nesse dia seria o aniversário de
Hans Christian Anderson. Não sei se é o caso do leitor ou leitora, mas muitas
recordações de leitura da minha infância são da sua autoria. ‘A pequena
sereia’, ‘O soldadinho de chumbo, ‘A princesa e a ervilha’, ‘A rainha do gelo’,
‘O patinho feio’ são apenas alguns exemplos. Confesso que tenho um livro com
todas estas histórias e não é raro reler algumas delas. Adoro!
De entre outras datas que este mês celebra, saliento
novamente o dia 23 – é um dia muito importante, está visto. Em Portugal
institucionalizou-se como sendo o Dia Nacional da Educação dos Surdos. Utilizo
o termo ‘surdos’ apenas para a referência. De facto, uma das minhas ‘lutas’
enquanto docente universitária era a de tentar ‘mudar’ – prefiro a palavra ‘alertar’,
neste contexto – consciências em relação às pessoas com deficiência.
Deve-se, provavelmente, ao cuidado no uso das palavras.
Acredito que ao utilizar a expressão ‘pessoa com deficiência’ em vez de ‘deficiente’
dou primazia à pessoa e não a uma das suas características, que com toda a
certeza não a torna menos pessoa. Assim, quando olho para alguém, vejo uma
pessoa como todas as outras e uma sua particularidade só será relevante... se
calhar.
Isso não retira a importância que todos nós podemos
conferir à necessidade de criar melhores condições de vida a todas as pessoas
que têm uma ou outra dificuldade em aceder a direitos tão básico como
‘escutar’, ‘ver’, ‘caminhar’, para dar apenas alguns exemplos.
Há uns tempos li um livro delicioso de David Lodge – ‘A
vida em surdina’. Chamou-me a atenção para alguns pormenores. Como de repente a
vida se pode transformar porque se deixa de ouvir. Repentinamente a comunicação
torna-se diferente. Daí que esta data seja de enaltecer, para assim nos chamar
a atenção que todos nós podemos vir a ter alguma dificuldade na comunicação.
Talvez fosse interessante integrar a linguagem gestual nos currículos
escolares. Sem dúvida que tal facilitaria e nos aproximaria ainda mais uns dos
outros.
* Este texto foi publicado no Jornal, O Chapinheiro