Confirmado! Fui verificar ao espelho. Não me
lembro sequer de reparar na marca entre a boca e o nariz... empinado – assim mo
caracterizam em tom de crítica; eu acho que pode ser uma boa faceta se moderada;
penso até que a sua forma é menos empinada. Uma cicatriz em cruz. Agora que
escrevi isto fico apreensiva... carrego uma cruz.
Essa
cruz remonta à minha infância. Teria sete ou oito anos. O meu querido mano é o
responsável! Menos três anos que eu; muito mais afoito. “Era muito pacata,
muito sossegada”, diz a minha mãe comparando com o traquina do meu irmão que
não se aquietava por cinco segundos.
Vivíamos
na Portela de Sacavém – Lisboa... oh que bons tempos. Eu e o meu mano no meu
quarto. Tinha uma varanda no nono piso. O céu era o infinito. Um dia – à noite
imagino; passávamos as horas diurnas nos Olivais –, eu e ele a brincar. Os legos.
Mas não só: uma pistola de brinquedo. Só de nome, tal era o peso do objecto
para as mãos infantis. Não é despiciente essa massa de ferro – assim a memória
mais ou menos deturpada a invoca. Eu sentada na cama. Ele no chão aos seus pés.
Uma cama em contraplacado com cantos muito bicudos: outas armas em potência.
A
diferença de idades não era sinónimo de superioridade da minha parte. Tínhamos
o hábito de andar à bofetada. Ora ele, ora eu. Ninguém queria ficar atrás. A
última a bater tinha de ser sempre eu. O último a esbofetear tinha de ser
sempre o meu mano. “Oh mãe, o Miguel bateu-me... foi ela que começou!”; “Oh mãe,
a Ana bateu-me... foi ele que começou!”
A
sua irreverência contrastava com a minha pacatez. “Filha da p...a!” Com quatro
ou cinco anos duvido que ele, ou mesmo eu, soubesse o que dizia. Eu estava
apenas consciente que ele acabara de dizer uma expressão muito feia. Em Lisboa,
então... – quando vim viver para o Porto esse foi um dos choques. “Vou dizer à
mãe que disseste uma asneira”, a bela da queixinhas. “Não vais nada! Senão
dou-te com a pistola na cabeça!” E não é que ma atirou?
Ao
fugir desse arremesso beligerante caí e bati com o rosto numa das pontas da
cama. E sangue, muito sangue vermelho; muito vermelho no chão a jorrar do meu
nariz. O meu mano gelou! Tinha medo desse fluído rubro. Quando a minha mãe o
queria sossegado: “Cuidado Miguel, tens de ficar quietinho. A tua orelha tem
sangue”. Ali ficava por alguns minutos. Nesse dia estava mesmo assustado. O seu
choro ganhava às minhas lágrimas pelo sangue que escorria na cara.
“Não
é preciso chamar os bombeiros, pois não?” Será que era a sua cor que o
assustava igualmente? “Oh mãe, não é preciso chamar os bombeiros, pois não? A mana
vai ficar bem, não vai mãe?”
bonita história que podia ser de qualquer um, mas não escrita por qualquer um, apenas por ti...
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