Há precisamente três anos, foi-me concedida a
oportunidade de viajar durante mais de dois meses pela América do Sul. Parti em
direcção a São Paulo, de onde voei para Cusco,
Peru. Tive, pois, a possibilidade de caminhar vários dias pelas montanhas
dos Andes, tendo como destino final Machu
Picchu.
De
Cusco fui para a Bolívia, atravessei a fronteira com o Chile de autocarro para,
então, cumprir um dos meus sonhos: pisar, tocar, cheirar, escutar, enfim,
sentir o deserto
de Atacama.
As crónicas da época, neste jornal,
registaram algumas dessas experiências. Se regresso a esses lugares, pelo menos
através das palavras, é pela necessidade que sinto de enaltecer (sempre) o dia
11 de Dezembro – a data escolhida internacionalmente para lembrar as Montanhas.
Em San Pedro de Atacama conheci uma chilena
montanheira, a Cristina, que ficou em mim gravada. Para ela, como para mim, a
imensidão dos Andes, a altitude das montanhas, o silêncio do céu – tão próximo
que parece tangível -, o calor dos meus passos... lentos, são dos ‘meus’
tesouros mais preciosos.
Se no texto do mês anterior manifestei
tristeza em relação aos incêndios e suas causas e suas consequências, também
nas ‘nossas’ serras, desta vez prefiro focar-me na grandeza das montanhas,
enfim, na grandeza da Natureza e da qual todos somos parte.
A primeira palavra que me ocorre quando penso
na montanha é Paz. É possível que tal impressão advenha do som do silêncio e da
vastidão que o horizonte percepcionado no alto de um monte, de uma colina, de
um pico me proporcionam. Quando a opção recai sobre uma serra mais árida, como
a Serra da Freita, o vento na vegetação rasteira, pintada pelo lilás da urze, as
melodias de algumas aves ou mesmo o crocitar de algum falcão, são os cantos dos
seres que me acompanham. É com atenção que cada passo é dado. Os meus passos e
os da minha companhia são os elementos sonoros mais fortes no instante.
Os cinco sentidos ficam em alerta máximo. Se
me permito estar e ser em comunhão com a montanha, sou capaz de captar o som
mais longínquo, sou capaz de cheirar o odor mais ténue. E, se num dia
soalheiro, os meus braços nus são capazes de se arrepiar com uma leve brisa
aconchegante. As inúmeras e intensas tonalidades de azul, verde, castanho,
lilás, amarelo.... cores que os meus olhos captam sempre com uma mensagem
instantânea ao cérebro: parece que aqui tudo é mais vivo, mais real. Pressinto
que seja o mais real e verdadeiro que me é permitido sentir, escutar, cheirar,
ver, Ser...
Às vezes, páro e fico então com mais elementos
para as dúvidas que tanto me perseguem. Mas afinal é tão simples. Mas afinal
talvez seja possível viver de forma mais simples, quem sabe mais plena. Porque
é precisamente a sensação de plenitude, de totalidade, que os montes e
montanhas do Gerês, por exemplo, me concedem.
Às vezes, quando regresso ao bulício, as
vozes interiores não cessam. Grasnam, crocitam, uivam, piam, ladram, até... e
surgem, então, novas questões... e pergunto-me amiúde se me lembrasse a cada instante que, como todos os seres
vivos, sou Natureza e que temos todos a mesma importância, continuaria a agir
da mesma forma em relação a tudo e a todos os que me rodeiam.
Se me lembrasse que ao ferir qualquer ser
vivo estou, no fundo, a ferir parte de mim, já que os outros seres são uma
continuidade de mim, formando a totalidade da Natureza... talvez mudasse um
pouco mais a cada dia...
Se me lembrasse sempre desse princípio, que
me parece básico, estou certa que jamais voltaria a tratar de modo inadequado a
montanha, o rio, a floresta, o mar, os animais, as pessoas...
Creio que uma das formas ‘simples’ de ajudar
a alterar a percepção que temos do mundo, do qual fazemos parte é,
precisamente, experimentá-lo, vivenciá-lo de forma total, presente. A título de
exemplo, é minha convicção (vale o que vale) que, se passássemos mais tempo na
montanha, teríamos acesso às suas qualidades: do silêncio, grandeza, beleza,
pureza... generosidade incondicional!
A gratidão perante tal generosidade é o
sentimento que me envolve sem cessar quando regresso da Montanha...
Creio que se nos lembrássemos todos da nossa
pequenez, e simultânea grandeza, seríamos um pouco mais compassivos,
condescendentes e amorosos em relação a todos os seres, tal qual a montanha, as
montanhas, a serra, as serras o são, oferecendo-se, dando-se incondicionalmente
a quem quiser receber o seu ar puro e fresco, o seu aroma doce, a sua música
harmoniosa...
Finalmente, que todos os dias sejam dias das
montanhas. E que cuidemos um pouco melhor das nossas serras mais ou menos
estreladas.
*Este texto foi publicado no Jornal Chapinheiro
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