Feliz 2018!*





Feliz ano novo!
Feliz ano novo? E paf!! Uma grande estalada. Pfiu!! Mais um ano que passou? Trezentos e sessenta e cinco dias se passaram. E quem se deu conta? Foram vividos a correr, a caminhar, a voar, a flutuar? Qual terá sido a percepção de cada um de nós? A vê-los passar? A vivê-los intensamente? À espera de alguma coisa? À espera de alguém? O que fizemos para merecer todos esses dias acumulados na nossa existência? É apenas mais uma camada de horas, dias, semanas, meses? Ou podemos dizer que cada dia foi glorificado e digno de ser considerado pleno para a nossa existência?
Para mim, as questões não se ficam por aqui. Terminado mais um ano, que para mim coincide na perfeição com o término de mais um ano de vida, coloco-me perguntas que me auxiliem a compreender como vivi durante um ano. Se de facto terei vivido e bem ao longo de mais um ano. Para então começar, neste caso, 2018 de um modo mais consciente, mais focada, mais atenta.... Estabeleço um rol de indagações, por mais difíceis que sejam de responder, sabendo que só eu ganho em ser honesta.
Começo por relembrar os objectivos estabelecidos no início do ano. Quais foram alcançados e como? O que aprendi atingindo o que me propus? Em que medida valeu a pena? Quais foram aqueles que ficaram para trás e porquê? O que aprendi com esse, chamemos-lhe, desvio?
O que fiz pela primeira vez? Que novas experiências me foram permitidas viver? Em que medida terão sido adequadas? O que retive de útil para crescer?
Qual foi o episódio vivido mais relevante e porquê? De que modo essa ocasião me ajudou a ser melhor pessoa?
Onde fui pela primeira vez e com quem?
Quantos livros li e quais se salientaram e porquê?
Quantos livros não li e porquê?
O que escrevi e para quem e para quê?
E o que deixei de escrever e porquê?
Quem conheci de novo?
Quem reencontrei?
Quem perdi?
Quem ficou?
Quem partiu?
O que fiz para ser mais amorosa e compassiva comigo própria?
O que fiz para ser mais compassiva e atenciosa para com as pessoas que me rodeiam?
O que percebi ter deixado de fazer ou ser com as pessoas que me rodeiam? O que me impediu e porquê?
Qual foi o acontecimento nacional que mais me sensibilizou e porquê? O que fiz, o que poderia ter feito, o que não fiz e porquê?
Qual foi o acontecimento internacional que mais me sensibilizou e porquê? O que fiz, o que poderia ter feito, o que não fiz e porquê?
No fundo, estas e mais algumas questões contribuem para compreender em que medida sou e estou diferente, depois de mais um ano de vida. São elementos que concorrem para assimilar o que terei aprendido ao longo de doze meses, cinquenta e quatro semanas, trezentos e sessenta e cinco dias, oito mil setecentas e sessenta horas, quinhentos e vinte cinco mil e seiscentos minutos. Confronto-me com estes valores para, dessa maneira, me lembrar que afinal não foi assim tanto o tempo que me estava disponível e para me recordar que muitos (demais) desses minutos foram desperdiçados a vaguear num mundo que não existe, a deambular num espaço superficial. Confronto-me com estas somas para seguir o caminho de forma real, com pessoas e lugares reais para, assim, aprender a ser mais real.
Ao responder a estas questões sinto-me preparada para receber um novo ano de coração e braços abertos. E então, o meu desejo para mim e para todos os leitores e leitoras do Chapinheiro é que seja um muito feliz ano novo!
Que 2018 seja efectivamente de renovação, de renascimentos, de redescobertas, de religações, de recuperações e de reciclagens, até.
O ‘re’. O ‘re’ sem ser de repetição. Um ‘re’ de regozijo, de recomeço, de reencontros. Sem permitir, se quiser ir mais longe, que a repetição se reinstale. Recuperando e restaurando. Sim, recuperando e restaurando as matas, as florestas, as montanhas, as serras (talvez o exemplo mais preponderante para as gentes da nossa aldeia). Evitando que os erros se repitam nesta, como noutras matérias, e nesta, como noutras dimensões da vida.
Recomeçando com a consciência de ter aprendido. E que, por isso, seja também um ‘re’ de rejeitar. Rejeitando o que deixou de ser adequado e o que estava a mais. Recomeçando, sim. Retomando e reorganizando os caminhos e práticas que nos tornam mais atentos em relação à vida que nos é concedida viver.
E para recomeçar é necessário, pelo menos para mim, olhar um pouco para trás. Sem apego, sem dúvida, mas apreciando, avaliando cada instante, cada lugar, cada pessoa, cada experiência.
Só desse modo, parece-me, o caminho pode ser renovado, com todo o aprendizado alcançado, quer com erros, quer com sucessos (chamemos assim). Se possível, procurando compreender como se chegou aqui e, então, prosseguir. A sorte e o azar até podem acontecer. Mas creio que o meu futuro é resultado de um agir presente. E que o presente sucede de um agir no passado. Daí que quanto mais consciente se estiver em cada instante, mais presente(s) se terá e será no futuro.
Bom ano! Bons meses! Boas semanas! Bons dias! Desejo muitas horas e minutos felizes! Em lugares e com pessoas que possam ser relembrados em 2019 com um sorriso... enorme!
*Este texto foi publicado no Jornal Chapinheiro

Dia(s) das / nas montanhas...*






Há precisamente três anos, foi-me concedida a oportunidade de viajar durante mais de dois meses pela América do Sul. Parti em direcção a São Paulo, de onde voei para Cusco, Peru. Tive, pois, a possibilidade de caminhar vários dias pelas montanhas dos Andes, tendo como destino final Machu Picchu.

 De Cusco fui para a Bolívia, atravessei a fronteira com o Chile de autocarro para, então, cumprir um dos meus sonhos: pisar, tocar, cheirar, escutar, enfim, sentir o deserto de Atacama.

As crónicas da época, neste jornal, registaram algumas dessas experiências. Se regresso a esses lugares, pelo menos através das palavras, é pela necessidade que sinto de enaltecer (sempre) o dia 11 de Dezembro – a data escolhida internacionalmente para lembrar as Montanhas.

Em San Pedro de Atacama conheci uma chilena montanheira, a Cristina, que ficou em mim gravada. Para ela, como para mim, a imensidão dos Andes, a altitude das montanhas, o silêncio do céu – tão próximo que parece tangível -, o calor dos meus passos... lentos, são dos ‘meus’ tesouros mais preciosos.

Se no texto do mês anterior manifestei tristeza em relação aos incêndios e suas causas e suas consequências, também nas ‘nossas’ serras, desta vez prefiro focar-me na grandeza das montanhas, enfim, na grandeza da Natureza e da qual todos somos parte.

A primeira palavra que me ocorre quando penso na montanha é Paz. É possível que tal impressão advenha do som do silêncio e da vastidão que o horizonte percepcionado no alto de um monte, de uma colina, de um pico me proporcionam. Quando a opção recai sobre uma serra mais árida, como a Serra da Freita, o vento na vegetação rasteira, pintada pelo lilás da urze, as melodias de algumas aves ou mesmo o crocitar de algum falcão, são os cantos dos seres que me acompanham. É com atenção que cada passo é dado. Os meus passos e os da minha companhia são os elementos sonoros mais fortes no instante.

Os cinco sentidos ficam em alerta máximo. Se me permito estar e ser em comunhão com a montanha, sou capaz de captar o som mais longínquo, sou capaz de cheirar o odor mais ténue. E, se num dia soalheiro, os meus braços nus são capazes de se arrepiar com uma leve brisa aconchegante. As inúmeras e intensas tonalidades de azul, verde, castanho, lilás, amarelo.... cores que os meus olhos captam sempre com uma mensagem instantânea ao cérebro: parece que aqui tudo é mais vivo, mais real. Pressinto que seja o mais real e verdadeiro que me é permitido sentir, escutar, cheirar, ver, Ser...
Às vezes, páro e fico então com mais elementos para as dúvidas que tanto me perseguem. Mas afinal é tão simples. Mas afinal talvez seja possível viver de forma mais simples, quem sabe mais plena. Porque é precisamente a sensação de plenitude, de totalidade, que os montes e montanhas do Gerês, por exemplo, me concedem.

Às vezes, quando regresso ao bulício, as vozes interiores não cessam. Grasnam, crocitam, uivam, piam, ladram, até... e surgem, então, novas questões... e pergunto-me amiúde se me lembrasse a cada instante que, como todos os seres vivos, sou Natureza e que temos todos a mesma importância, continuaria a agir da mesma forma em relação a tudo e a todos os que me rodeiam.


Se me lembrasse que ao ferir qualquer ser vivo estou, no fundo, a ferir parte de mim, já que os outros seres são uma continuidade de mim, formando a totalidade da Natureza... talvez mudasse um pouco mais a cada dia...

Se me lembrasse sempre desse princípio, que me parece básico, estou certa que jamais voltaria a tratar de modo inadequado a montanha, o rio, a floresta, o mar, os animais, as pessoas...

Creio que uma das formas ‘simples’ de ajudar a alterar a percepção que temos do mundo, do qual fazemos parte é, precisamente, experimentá-lo, vivenciá-lo de forma total, presente. A título de exemplo, é minha convicção (vale o que vale) que, se passássemos mais tempo na montanha, teríamos acesso às suas qualidades: do silêncio, grandeza, beleza, pureza... generosidade incondicional!

A gratidão perante tal generosidade é o sentimento que me envolve sem cessar quando regresso da Montanha...

Creio que se nos lembrássemos todos da nossa pequenez, e simultânea grandeza, seríamos um pouco mais compassivos, condescendentes e amorosos em relação a todos os seres, tal qual a montanha, as montanhas, a serra, as serras o são, oferecendo-se, dando-se incondicionalmente a quem quiser receber o seu ar puro e fresco, o seu aroma doce, a sua música harmoniosa...

Finalmente, que todos os dias sejam dias das montanhas. E que cuidemos um pouco melhor das nossas serras mais ou menos estreladas.




*Este texto foi publicado no Jornal Chapinheiro

Viagem à Índia III – cinco anos depois




Em Agosto de 2017, cinco anos depois de passar cerca de um mês em Pune, Índia, decidi voar novamente para esse subcontinente. Num tempo sem contrários e sem adiar por muito mais o futuro, a escolha recaiu sobre Nova Deli.
Foram necessários mais de dois meses para romper o cerco e finalmente consumar a compra. Nesse período em que vivi uma espécie de suspensão, confirmei a vontade de voltar a caminhar decidindo o primeiro destino, ao mesmo tempo que esperava o resultado de um exame médico de uma pessoa muito querida. Tranquila e segura, comprei a viagem. A partida será em Fevereiro de 2018. Curioso, é o facto de nessa altura perfazer cinco anos que terei aterrado em Melbourne, sob um céu azul luminoso, onde a temperatura cálida me salvou do frio invernal do Porto. Igualmente estranho, para mim, é o facto de ter sido em Fevereiro, mas de 2012, que fui pela primeira vez à Índia – Goa. Também nessa época, os 32º centígrados foram um aconchego, ainda que por apenas dez dias. De Mumbai, só conheço o aeroporto (razoavelmente bem, dado o número de horas à espera das ligações, sobretudo no regresso de Pune, onde perdi o avião...).
Se porventura as frases anteriores soam pretensiosas, os elementos expostos servem apenas para reforçar a ideia de que, pese embora seja a terceira vez que me aventuro sozinha para esse país, é-me difícil afirmar que conheço a Índia. Pelo contrário, Pune e Goa são duas cidades particulares e as experiências aí vividas foram em ambientes assépticos e muito cuidados pelas pessoas e entidades que me receberam.
Assim, mesmo que um dos critérios de selecção dos países a visitar seja a ausência de entradas, repito-me no destino, sem saudades do futuro. Ainda que, e há que dizer, a Índia não esteja na minha lista do ‘tenho de fazer’ antes de morrer.
Muita informação no parágrafo anterior, eu sei. Uma lista? De quantos itens? Quais as categorias incluídas nessa lista? Antes de morrer?
Ora bem... desde 2013 que elaboro uma lista de experiências a viver, lugares a visitar, pessoas a conhecer... antes de morrer. Como diria um amigo, antes de transitar, como diria outro amigo, antes de tudo acabar. Como diriam os budistas, antes de deixar esta vida (a quinquagésima?) ... vulgo, antes de ir desta para melhor, ou pior... antes de me tornar húmus!
Antes de tudo baixar e antes que o tempo me ganhe (ou não), estarei a voar. Será no dia 1 de Fevereiro, para Nova Deli – um destino que não constava naquela lista. O meu rol de lugares imperdíveis é, aliás, bem reduzido. São duas regiões – enormes – que quero experienciar antes de morrer, sabendo que todos os países que me são desconhecidos têm, quase de certeza, o seu encanto. A questão está relacionada com o tempo que me resta de vida. Pelo menos esta – no caso de haver outras, então vamos lá. Mas como não sei se existe alguma coisa para além da morte, quero viver o melhor possível, enquanto me é possível.
Calma! Não faço a mínima ideia de qual o prazo de validade deste corpinho, onde esta consciência habita, mas hoje pode ser o último dia viva e de boa saúde. Não é um chavão! Para mim, é evidente que para morrer basta estar viva. A morte é, seguramente, a única certeza que tenho nesta vida, sempre em mudança, impermanente. Assim sendo, repito-me: quero viver o melhor que sei e que posso, antes que o vazio me preencha e o silêncio me cale.
Estando de boa saúde, com alguns trocos no bolso (ainda que apenas o suficiente, mas o suficiente tem sido suficiente), comecei a sentir que estaria a criar ‘raízes’, como brincam os meus companheiros da Quinta. Cheguei do Rio de Janeiro no dia 25 de Setembro de 2016! Apesar de já ter voado (para a Madeira), não saio de Portugal há um ano, um mês e onze dias. Em Fevereiro, essa soma será muito mais avultada. Não é ironia, é uma necessidade de conhecer, de aprender, de desinstalar rotinas, de reinventar os dias, de crescer... cá dentro. É, talvez, uma insatisfação insaciável, mas de quê? Ainda não sei. Só sei que preciso aprender... como quem precisa repousar. E quero fazer a minha parte, quero fazer o que está ao meu alcance para, contrariamente à personagem Palomar, de Italo Calvino, sentir que a minha vida foi mais do que uma sucessão de ocasiões falhadas.
E então, porquê Índia, porquê Nova Deli? Pois bem. Os dois destinos na minha lista primordial são os Himalaias e a Patagónia, com a Terra do Fogo. No que ao segundo destino concerne, as sementes foram lançadas desde que optei por regressar a Portugal. Aliás, quando viajei para o Rio de Janeiro o ano passado, a mala ia preparada com a mochila para prosseguir viagem. Não obstante, depois de quase quatro meses a trabalhar para os Jogos Olímpicos sentia-me exaurida. Já para não dizer, confesso, que ‘morria’ de saudades dos meus amores e ainda não conhecia a minha ‘pseudo-sobrinha’ mais nova, nascida enquanto eu estava na terra do Samba. De maneira que, é verdade, adiei ir à Argentina. De qualquer modo, viajar por viajar também não é o meu registo, tão-pouco o de obter mais um carimbo no passaporte. Poucos dias depois de ter assentado arraiais (mas pouco, já se vê) comecei a envidar esforços (ainda não reconhecidos, ainda!) para ser chamada para Buenos Aires.
Enquanto isso não acontece... a vida não pára e o tempo é o meu maior tesouro. Daí que o queira desfrutar do modo que me parece mais adequado. E nesta fase pressinto que é apropriado agradecer a vida que me é concedida, glorificando-a, nomeadamente, indo até ao outro local que mais gostaria de visitar: o Tibete. Em concreto, realizar um trekking nos Himalaias. Pelo que me vou informando – estou a iniciar o trabalho de casa –, para entrar no Tibete e para aquele objectivo, é fundamental integrar um grupo autorizado, cuja saída é, geralmente, de Katmandu.
Nepal era o destino que tinha em mente. Nepal e Tibete, vá. Quando comecei a verbalizar esta minha vontade, uma das companheiras da Quinta perguntou-me: “E porque não ir para Katmandu, via Nova Deli? Já viste os preços? Costumam ser muito mais económicos...”
Aceitei a sugestão depois de pesquisar. De facto, a viagem é menos um terço do valor. Dava que pensar. E dá que pensar que no dia em que escrevo, já com o bilhete comprado para Nova Deli, as escolas da cidade indiana tenham sido todas fechadas... devido aos níveis de poluição. Dá que pensar.


A opção foi reflectida. Muito. Houve várias coisas a ponderar e até por que esperar. No dia em que fiz o clique para efectuar a compra, tudo me parecia possível. Continua a parecer. E ter em conta a distância de um dia desde essa megacidade até ao Taj Mahal, e ter em conta que terei oportunidade de rever pessoas que conheci noutros lados do mundo, e ter em conta que em Varanasi, de onde pretendo tomar o comboio para Katmandu, terei oportunidade de ir à margem do Rio Ganges, e ter em conta que terei finalmente a ocasião de conhecer parte desse subcontinente, faz-me acreditar que terá sido, é, será, uma resolução deveras interessante e, porque não dizê-lo, desafiante.
Será que um mês no norte da Índia é suficiente?

8 de Novembro, de 2017
Porto, Portugal

PS1: Para além das duas viagens mencionadas, só tenho mais três itens na minha lista: viver uma experiência, conhecer um escritor que muito aprecio e conversar com uma pessoa... talvez um dia destes.
PS2: As fotos aqui partilhadas ainda! não são ‘minhas’.





Contemplando a chegada do Outono*


É com profunda gratidão que me detenho a contemplar a passagem das estações. Este sentimento envolve-me com cada vez mais frequência e, no que respeita às quatro estações, acontece sempre que se nota a respectiva transmudação.  Desde logo, por viver num local onde que as quatro estações ainda (ainda!) são facilmente perceptíveis.
Não é necessário ser a pessoa mais atenta para reparar na diminuição crescente dos dias ou no acentuado arrefecimento nocturno – cada vez mais acentuado e cada vez mais arrefecido. Assim como não é difícil observar o solo pejado de folhas secas, ora mais amareladas, ora mais acastanhadas até ao tom mais avermelhado – que nos lembra o porquê de ser a estação das cores quentes –, como acontece com as folhas dos plátanos que povoam as cidades do Porto e de Matosinhos.
É facilmente reconhecível que me reporto, neste caso em concreto, à transformação dos dias, cada vez mais outonais... não estivesse o Outono tão próximo – escrevo a três dias do Equinócio de Outono (que começa – começou quando estiver a ler – no dia 22 de Setembro às 20h02!).
Se bem que já me tenha debruçado sobre o Outono neste espaço, é mais forte do que eu! Talvez por pressentir e sentir que é, sem dúvida, um enorme privilégio observar, percepcionar com mais ou menos atenção os pormenores anteriormente mencionados. Pormenores, só na aparência – a minha opinião.
Como ficar indiferente à mudança de tonalidades das copas das árvores que, lentamente,  se vão despojando das suas folhas?
Como ficar indiferente à neblina matinal, cuja camada espessa cobrindo os lagos do Parque da Cidade (do Porto) me dá a sensação de estar num local misterioso?
Como ficar indiferente à distinta posição do Sol quando se despede diariamente?... cada vez mais cedo. Já reparou? Ainda há umas semanas podíamos ler sem luz artificial até às nove da noite...
Como ficar indiferente ao nascer do Sol, cada vez mais tardio? Nas últimas semanas tenho despertado com a Lua no céu... índigo.
E como ficar indiferente ao facto de ser possível percepcionar estas transformações num país no qual, ainda (reforço), se distinguem as quatros estações?
E, mais ainda, como ficar indiferente ao facto de me ser possível observar, sentir, cheirar, escutar os elementos da Natureza?
Não é um pormenor ver, escutar, sentir, cheirar e até degustar os frutos da estação. As laranjas da Quinta voltam a ser muito saborosas. Os marmelos já estão em formato marmelada e geleia (adoro!) e as castanhas começam a pintar os corredores dos jardins.
Ah...
E, quando Outubro chegar, tudo isto será ainda mais exuberante... até o frio!
Pode ser que haja tarefas, afazeres, actividades, ocupações, trabalhos, etc., muito mais relevantes do que a ‘mera’ contemplação. Pelo menos é esse o lema das nossas sociedades híper produtivas: “Seja produtivo!”  Sociedades em que o trabalho (ainda) é a condição humana, como defendia Hannah Arendt.
Mas não será a contemplação uma dimensão humana tão importante quanto o trabalho? Mais um pormenor, enaltecendo a Arquitectura (e também a Paisagista) – celebrada mundialmente na primeira segunda-feira de Outubro – que se repercute em espaços como o Parque da Cidade do Porto: este parque terá sido projectado por Sidónio Pardal, com o objectivo que este fosse um espaço, sobretudo, contemplativo. Os bancos de jardim, estrategicamente posicionados, em frente aos diversos lagos são disso exemplo.
Contemplar é um verbo – logo implica acção. Só na aparência a contemplação é passiva. Com efeito, estar de forma consciente em contemplação, a contemplar, contemplando, é uma decisão. É escolher admirar e reconhecer com gratidão a beleza que nos rodeia, que nos envolve... e que (ainda) nos está disponível.
Contemplar, para mim, é reconhecer que essa a beleza e harmonia da Natureza (por exemplo) não é um dado adquirido e que, só na aparência, acontece por acaso... Acontece, É!, também para nos lembrar que a vida não é garantida, que a sua precariedade é tão ou mais palpável que a morte. E que, assim sendo, é primordial contemplar cada instante, cada gesto, cada som, cada cheiro, cada cor, cada sabor, cada folha avermelhada que cada plátano nos oferece, só porque sim... aparentemente.
Bem-vindo (ao) Outono!

*Este texto foi publicado no Jornal Champninheiro

Em 2017, 71 a 17...*



           
            
           Dizem que o Natal é quando uma pessoa quiser. Partindo desta premissa, creio que posso dizer o mesmo em relação a qualquer outra data invocativa de uma qualquer celebração ou comemoração. Por exemplo, pegar na data de aniversário de alguém que represente uma figura comummente celebrada e enaltecer essa figura, um símbolo ou até a própria pessoa.
            Assim sendo, recorro ao espaço que me é concedido neste jornal de Nogueira do Cravo para evocar e exaltar o dia do pai. Neste caso, aproveito a data de aniversário do meu pai, o Amadeu Pereira, que em 2017 completa 71 anos no dia 17 de Setembro. Que engraçado... só quando registei no papel é que me apercebi da capicua: 71 a 17 (em 2017). Ora, ainda bem que pela primeira vez, em quase quatro anos, decidi escrever directamente sobre o aniversário do meu pai, do Pai.
            Parabéns!, pai Amadeu. Parabéns! por teres alcançado esta idade tão bonita, de forma tão jovem e jovial. Parabéns, pai!
            Obrigada, pai, por sempre me apoiares, até nas decisões mais difíceis, em que nem sempre terás compreendido os meus modos, as minhas escolhas, os meus caminhos... Obrigada!
Obrigada por me fazeres sentir protegida.
Poderia continuar a usar e abusar deste espaço no Chapinheiro para enaltecer o meu pai, prefiro, no entanto, louvar todos os pais e lembrar a todos aqueles que, como eu, têm o privilégio de ser filho ou filha de uma pessoa que fez, que faz e sabemos que fará tudo o que esteve, que está e estará (para lá do) ao seu alcance para nos ajudar, apoiar no que for (e até nem) for necessário – mesmo que em determinadas momentos lhes seja difícil lidar com aquilo que até nem concordam, com aquilo que até lhes causa algum desgaste. Mas acreditando sempre, como é o caso do Amadeu – e acredito que seja o caso de muitos pais –, que o caminho escolhido pelos filhos terminará num destino que afinal era o que eles, de um ou outro modo, sempre desejaram, sonharam e trabalharam para que fosse atingido: a felicidade dos seus filhos.
Sim, porque sei que não estou a escrever sobre um amadeu ou um pai em particular. Reporto-me a qualquer progenitor. Todos, sem excepção, fazem o melhor que sabem e (quase) sempre o melhor que podem para assegurar o bem-estar e felicidade dos seus filhos. Ainda que não saibam quais os princípios para a felicidade dos mesmos. Afinal, esse conceito é tão abrangente quanto relativo, tão desejado quanto ambíguo e tão simples como difícil de o viver na prática. Não obstante, é sem dúvida esse o objectivo da maioria dos seres humanos: ser feliz. Sabendo que num mundo onde os valores são vividos de forma relativa, em que tudo depende de tudo (ou até de nada).
Por aquela razão relativa, também sei que o que me faz feliz é (ainda) distinto daquilo que faz o meu pai feliz. Como é distinto em todas as pessoas que têm entre si, pelo menos, duas décadas de vida vivida.
Importa-me destacar a ideia de que ser filha de um pai como o Amadeu, é, indubitavelmente, um privilégio. Um privilégio do qual me sinto profundamente grata – ainda que em determinadas épocas tenha sido eu a não compreender certas decisões suas. E isto é válido, estou certa, para quase todos os filhos que nem sempre concordaram em seguir o caminho apontado e até escolhido pelo seu pai.
Repito-me: o meu pai, sei e sinto hoje, fez e escolheu e decidiu de acordo com a informação que lhe estava disponível e, como tal, do melhor modo que lhe era possível. Muito obrigada, pai!
Bom, agora que tive os meus dez minutos, não de fama, mas de atenção do querido ou querida leitora, faço-lhe um convite: vamos ao cinema. Humm... não é uma ida ao cinema vulgar. Convido o leitor ou leitora a sentar-se na poltrona da sala – aquela em que o pai se costuma sentar para ver o jogo do Sporting (ahah), para ler o jornal ou fazer a sesta. Não sem antes resgatar uma fotografia da sua infância em que está a jogar à bola, ou a andar de bicicleta ou a jogar ou a brincar ao que quer que seja com o seu pai. Observe a imagem, já sem cor, mas vívida na memória. Pouse a fotografia e feche os olhos, em silêncio, e viaje até esse instante e deixe-se levar pelas cores, pelos cheiros, pelos sons das gargalhadas...ahhhhh

*Este texto foi publicado no Jornal Chapinheiro

Fotografia de um instante*



Há palavras que nos tocam como beijos de uma criança.
Há sons que nos adentram como o abraço da avó.
Há cores que se espalham tão brilhantes que nos iluminam o caminho.
Há gestos simples que, de tão subtis, se sentem como uma leve brisa de Primavera à beira-mar.
Há bebidas tão suaves, que nos alimentam tanto como um fausto jantar.
Comecei deste modo, a propósito da obra “A quinta dos animais”, inicialmente traduzida para português como “O triunfo dos Porcos”. A sua publicação remonta a 17 de Agosto de 1945. Um livro da autoria de George Orwell que me tocou profundamente. Há palavras que continuam (e continuarão) a reverberar em mim. A parábola do autor é, na minha perspectiva, uma metáfora muito actual. Actual em demasia, diria até. Em particular quando se resgata o último dos princípios instituídos pelos animais. Um princípio adulterado pelos porcos que se encarregaram de liderar, de forma totalitária, os restantes animais em revolta contra os proprietários da Quinta do Infantado: “Os animais são todos iguais, mas alguns são mais iguais do que outros”. Na sua origem, o mandamento era ‘apenas’: “Os animais são todos iguais”.

O que resta da essência da Política? Aquela que se reportava à organização de uma cidade-estado, a cidade dos cidadãos. Quando os cidadãos que a ‘administram’ se posicionam como mais iguais do que os outros, com mais direitos do que aqueles a quem, em teoria, estão a servir...
Servir ou controlar. Como noutra obra tão ou mais emblemática do mesmo autor: “1984”. O fictício (?) ‘grande irmão’ é de tal ordem visível na sua ‘invisibilidade’ aparente, que a distopia publicada em 1949 continua a ser fonte de fervorosos debates. Actualmente, quando se pára para reflectir um pouco – neste tema, nem sequer é necessário aprofundar o nível de reflexão –, é facilmente perceptível que não existe (quase) nada que escape ao controlo e escrutínio alheio.
Se parte da responsabilidade é individual, uma grande parte é totalmente incontrolável e mesmo desconhecida do comum dos mortais. Só quando nos detemos em determinados pormenores (só na aparência) despiciendos é que nos ocorre questionar: Como diabo é que isto veio aqui parar? Como diabo se sabe que estou aqui ou acolá a fazer isto ou a comprar aquilo?
Dá que pensar...
As teorias da conspiração – se é que são teorias e se é que são conspirativas – deixaram, no entanto, de ser uma fonte de ‘pre-ocupação’ para mim. Há muito que compreendi que não tenho controlo sobre quase nada, tão-pouco sobre a minha própria privacidade. Desisti de me incomodar. Guardo a energia para dimensões mais relevantes e enriquecedoras.
Procuro ler mais, por exemplo.
Escuto mais música.
Abro mais os olhos para caminhar de forma mais atenta.
Uso menos roupa, menos coisas, para assim captar melhor a temperatura dourada do sol de Verão.
Saboreio mais lentamente um refresco de melancia, sentindo o abraço dos meus sobrinhos, que são cada vez mais.
“Tiaaaaa!!” – o Rodi, a Matilde e a Carlota. Uau! As lágrimas até saltam quando o Gu me pergunta expectante: “E tu vens, tia?” (ao espectáculo de Dança onde, entretanto, actuou muito feliz por estar em palco a realizar o que adora).
Quando a Íris sorri e ri... Ah, um ano já: a Íris, no dia 9 de Agosto! A minha ‘sobrinha’ mais nova. Há mais ‘sobrinhas’ e ‘sobrinhos’ das minhas amigas – ‘irmãs’ que me acompanham e enchem o coração.
Que bom que temos máquinas fotográficas; desse modo temos como gravar instantes de alegria; desse modo temos como tornar esses instantes eternos, não apenas no coração, mas também na memória futura.
No dia 19 deste mês comemora-se mundialmente a fotografia. A data que a Academia Francesa anunciou como sendo da invenção do daguerreótipo, em 1837, por Louis Daguerre. O daguerreótipo foi considerado, então, como um presente de Daguerre para o mundo. E nós agradecemos a possibilidade de fotografar, mesmo que as fotografias se fiquem pelo formato digital. Pelo menos assim não se gastam recursos...

Contudo, tenho de confessar que a fotografia impressa dos meus sobrinhos e das pessoas que me são queridas são e serão um dos presentes que me acompanham, também nas viagens. Até porque me transportam em viagens... no tempo e no espaço.

* Texto publicado no Jornal Chapinheiro

Mapas e fronteiras...*



 No dia 1 de Julho, a TAP – transportadora aérea portuguesa – celebra mais um aniversário. A sua inauguração ocorreu em 1953. Mas em Portugal, é sabido, esse é apenas o corolário de séculos de histórias, de séculos na História dos Descobrimentos. Não fosse o povo português um povo ávido pela descoberta de novos ‘mundos’.
Foi em Julho, também, mas no dia 8 em 1497, que Vasco da Gama iniciou a viagem marítima desde a Europa, até à Índia. É possível que o ensejo para os Descobrimentos tenha sido suscitado pela necessidade de expansão, de expansão do território. Sendo certo que não existia mais espaço terreno a conquistar e descobrir nas imediações, o mar, o além-mar tornou-se o desconhecido a descobrir... a conquistar, também...
É de realçar o contributo que os portugueses, desde o início do século XV até meados do século XVI, tiveram na composição dos mapas através das explorações marítimas por todo o mundo. O ‘Planisfério de Cantino’ ilustra isso mesmo, sendo a mais antiga carta náutica portuguesa conhecida. Data de 1502 e resulta daquela mesma viagem de Vasco da Gama, juntamente com a de Cristóvão Colombo à América Central, Gaspar Corte-Real à Terra Nova e a de Pedro Álvares Cabral ao Brasil, em 1500.

Já no século XX, outras viagens se estrearam. Viagens que, pelo menos na minha perspectiva, demonstram o desejo incontestável da humanidade em descobrir novos lugares, lugares além do limite planetário. E assim, em 1969, no dia 16 de Julho, era lançada Apollo 11 – a primeira missão espacial tripulada que, quatro dias depois (contabilizados pelo relógio terreno), aterrava na Lua. E assim, no dia 20 de Julho de 1969, Neil Armstrong era o primeiro homem a pisar solo lunar. Materializava, deste modo, o mapa lunar, ampliando, por consequência, a espacialidade ‘palpável’ do universo.
Se este evento já aqui foi referido, o tema desta crónica motiva-me à sua alusão. Tão-somente demonstra a necessidade que o ser humano tem de conhecer e expandir os seus limites. A necessidade, parece-me, de ultrapassar as suas próprias fronteiras, sejam elas físicas, territoriais, sejam psicológicas, emocionais, ou de qualquer outra índole. Por conseguinte, questiono-me amiúde acerca da possibilidade de vivermos sem limites, sem fronteiras – reporto-me, em concreto, à ausência de limites e fronteiras territoriais, à ausência de muros fronteiriços e todos os sinónimos que se possam aqui incluir.
É muito provável que as viagens me tenham aberto os olhos, e ampliado os outros sentidos para outras experiências sensoriais. Sim, são incontáveis os estímulos a que tenho estado sujeita, através do espaço além-fronteiras e, por consequência, experimentando a passagem de fronteiras; uma passagem tantas vezes aborrecida.
‘Aborrecida’ é um adjectivo aplicável para quem se vê obrigado aos procedimentos de segurança, controlo e vigilância dos serviços de estrangeiros e fronteiras. É uma situação ‘aborrecida’ pelos incómodos que causa a todos quantos viajam por uma razão ou por outra. Todavia, esse é apenas um dos inconvenientes das fronteiras. Talvez seja o mais facilmente aceite, de todos os aspectos desconfortáveis inerentes às viagens. Pode passar a imagem de uma menina petulante e/ou mimada. Mas trata-se, sob o meu ponto de vista, muito mais do que um contratempo. Para mim, é a constatação da fronteira, do limite, do muro construído que obsta a um passo livre no território, a mais um passo no mundo, no planeta.
Por isso, mimada ou petulante, em cada passagem pelos corredores fronteiriços, em cada carimbo no passaporte, questiono-me sobre a necessidade, para mim vazia de sentido, em abrir ou passar pela câmara de vigilância os meus poucos pertences, como se fosse uma criminosa. Ademais, nos dias de hoje, a distância que separa o criminoso de um terrorista é uma separação apenas aparente. Aos olhos de quem controla os postos fronteiriços todos são suspeitos, todos sem excepção são alvo de controlo. Todos sem excepção são vigiados: para quê? Para manter a ilusão: “O meu país está seguro”, ou, “No meu país, só entra quem eu quero”, ou “No meu país quem manda sou eu”. No limite: “Este país é só para quem eu deixo entrar”.
Estou a exagerar, é certo. Mas o exagero permite a caricatura e a caricatura também é o excesso possível: um excesso visível!
Seria interessante perscrutar os políticos – os presidentes das repúblicas, ou federações por exemplo – e incitá-los a desenhar o mapa do mundo à luz dos seus desejos mais recônditos, mesmo que insidiosos. Seria interessante observar a dimensão que cada um daria ao ‘seu país’. Talvez baste abrir os manuais de geografia e história de cada país. Talvez a comparação mostre diferenças no destaque. O mapa-múndi da Rússia será certamente díspar do mapa-múndi dos EUA.
Pergunto-me, ainda, se a perspectiva com que nos são mostrados os mapas é casual. Porquê o norte assim e o sul assado, colocando no hemisfério norte os países ditos desenvolvidos... quando o planeta Terra é redondo (ou uma elipse).

Bem sei que estes são assuntos algo polémicos. Na verdade, se se pensar no primeiro Rei de Portugal, nascido no dia 25 de Julho de 1109, e se se pensar no seu cognome – o Conquistador –, logo se encontram mais achas para a fogueira da territorialidade e para o desenho dos mapas políticos... e quantas vidas se continuam a perder para ganhar mais um centímetro de poder...
Para terminar e terminar de um modo mais terno, relembro o dia 26 de Julho: o dia dedicado aos avós. Este ano exaltarei os avós dos meus queridos sobrinhos, e o leitor e a leitora?

*Este texto foi publicado no Jornal Chapinheiro