O dia mundial da
alfabetização comemora-se este mês. Dia 8. Mais uma data para lembrar que ainda
há muito a fazer para que o mundo seja pelo menos um pouco mais justo. E sim, é
mesmo verdade: em Portugal ainda existe gente que não sabe ler. Gente que não
sabe ler no sentido literal da palavra. Em pleno século XXI, em Portugal (!) há
gente que não sabe ler! É possível! Não é uma pergunta retórica. É uma
afirmação que, de tão inacreditável, é chocante (pelo menos para mim).
Naturalmente que a
alfabetização ultrapassa o saber ler, escrever, contar, etc. Desde logo, porque
saber ler não significa que se compreenda a informação disponibilizada. Tantos
exemplos que conhecemos de pessoas que foram enganadas, por não fazerem ideia
do que se lhes estava a ser vendido – leia-se, impingido. Ora, isso é tão
frequente que nem se dá conta. Só quando acontece na porta ao lado, como em
Nogueira. Quantas pessoas terão assinado contratos para serviços que não só
desconhecem, como não têm como usufruir. E essas pessoas que ‘compraram’ os
serviços não são iletradas nem tão-pouco ignorantes. Só não estão alfabetizadas
em relação às novas tecnologias. É pena que quem faz esse tipo de venda careça
da alfabetização mais importante, a dos valores, como o respeito pelo outro.
Coincidência, ou nem
por isso, Setembro é o mês do regresso às aulas. Em Nogueira, a escola está
linda. A renovação/reconstrução da escola deu lugar ao Centro Educativo de
Nogueira do Cravo. São cerca de 150 miúdos da freguesia e arredores que aí dão
os primeiros passos na leitura.
Quem sabe este espaço
renovado incentive a quem de direito a desenvolver iniciativas para toda a
comunidade de Nogueira. Actividades que contribuam para outras alfabetizações.
Como a do coração – o dia 29 deste mês é-lhe dedicado mundialmente. Tomemos
então conta do coração. Não apenas com acções que estimulem os bons hábitos e
estilos de vida saudáveis, mas também com actividades que contribuam para o
desenvolvimento dos afectos. Até porque a escola é o local por excelência para
aprender. E na escola de Nogueira sempre se aprendeu muito, e muito para lá do
saber ler e escrever e contar.
Que o digam aqueles
que aprenderam com o Professor Albano. Um Mestre, diz Amadeu, diz Francisco
António, diz Zé Alberto, dizem todos os que andaram na escola entre as décadas
de 1940 e 1980. Durante mais de trinta anos, o Professor Albano ensinou a ler,
a escrever, a contar. Sobretudo educou
no respeito, na verdade e em outros valores que também hoje se querem
renovados.
Eram tempos
diferentes. Setembro significava também aventura para os rapazes de Nogueira. Às
cinco da manhã, era vê-los a saírem armadilhados de costilos para irem aos
tralhões. O caçador-mor era outro grande professor, o Francisco António.
Acompanhado dos primos Amadeu e Zé Alberto – e com o António Mendes quando
estava na terra –, ficavam no olival à espera que os tralhões caíssem nas
armadilhas – os costilos previamente preparados com todo o cuidado... e
artimanha! A tia Rosa levava o café. Se não houvesse café havia muita uva para
comer – sim, porque as vindimas só depois.
Os tralhões eram um
regalo para todos. O gozo ultrapassava a caça dos pássaros também conhecidos
por papa-formigas. A véspera era na brincadeira a juntar umas quantas formigas
para os ludibriar. De troféu aos ombros, cantavam os galos para ir depenar as
aves. Um pitéu: os tralhões grelhados com umas quantas pedras de sal. Relembram
os protagonistas. Esses senhores de Nogueira, homens que respeitam as suas
origens e que fazem questão de partilhar as suas raízes com as gerações mais
novas. Obrigada pai Amadeu e padrinho Francisco António.
*Texto
publicado no Jornal: O Chapinheiro