Escrevo esta crónica no dia seguinte à morte de
Gabriel Garcia Márquez. Dada a sua relevância na literatura contemporânea, é-me
impossível passar ao lado deste acontecimento. Há homens que no dia em que
morrem, fica a certeza de que permanecerão para sempre entre nós. Este é
seguramente o caso do escritor, um dos mais importantes da actualidade.
O legado de Gabriel Garcia Márquez ultrapassa em muito
a sua obra publicada. Tão-somente as suas histórias ultrapassam as páginas que
se lêem quase sempre em catadupa. Quem abriu um livro seu, só terá ficado
descansado ao chegar à última página. São histórias de pessoas singulares, lugares
únicos, tempos imemoriais, cuja realidade ficcional concede um espaço e tempo
mágicos a quem as lê.
Ao ler a sua carta de despedida, lágrimas percorreram
o meu rosto que se abria num sorriso. Não pela perda, mas por reconhecer que
para poder escrever é fundamental viver... viver totalmente: sem medo.
Sobretudo sem medo de expressar o que se sente e sem deixar de dizer o que é
essencial. Ou seja, não assumir que as pessoas que são importantes para nós,
saberão disso.
Assim sendo, no momento seguinte à redacção da última
frase, disse a uma pessoa muito querida o quão gosto dela. Disse-lhe igualmente
que tinha um abraço muito apertado para lhe dar e que não podia esperar pelo
dia seguinte. Não saberia se ainda estaria viva. Não podia adiar. Fui.
Deixei este texto a meio... ainda tinha tempo para o
terminar, pensei. Talvez ainda estivesse viva horas depois.
E estava. Estou. Mesmo reconhecendo que este registo é
diferente dos dois anteriores, senti-me compelida a redigir o que sinto. E
sinto-me muito mais cheia. O abraço foi retribuído amorosamente. Quando me
encontrei com a pessoa em questão, ficámos alguns momentos em silêncio. Não nos
víamos há seguramente três anos. Um pequeno mal entendido fizera com que uma
amizade de vinte anos ficasse suspensa. Após o longo e forte abraço, percebemos
que durante aquele tempo de ausência nos perdêramos em caminhos tão sinuosos
quanto distantes. E assim não partilhámos as alegrias entretanto vividas.
Foi necessário que alguém partisse, quem sabe para
outras vidas que não visíveis aos meus olhos, para me lembrar que esta vida é
demasiado precária para não sermos e expressarmos quem somos; para não
abraçarmos aqueles que estando ao nosso lado, por vezes parecem tão longe.
E depois o que fica? A memória do que se poderia ter
sido sem que o tivéssemos sido, ora por vergonha, ora por uma zanga ridícula.
E valeu a pena? Valerá antes a pena tocar com carinho
e cuidado os que nos são queridos, lembrando sempre que somos o que nos
permitirmos ser com as pessoas que estão ao nosso lado. Por isso, se ainda
estiver com os olhos nesta página observe em redor, olhe para dentro: o que
faltou dizer, que abraço faltou dar? Feche então o jornal e vá. Não deixe para
depois. A pessoa que esperou tanto pode não esperar mais. Vá e leve as palavras
de Gabriel Garcia Márquez consigo:
“... não espere
mais, faça hoje, já que se o amanhã nunca chegar, seguramente lamentará o dia
em que não tomou tempo para um sorriso, um abraço, um beijo e que esteve muito
ocupado para conceder-lhe um último desejo...”
*Texto publicado no Jornal o Chapinheiro
Arrepiantemente bom, parabéns pelo texto Ana e sobretudo pela emoção das palavras.
ResponderEliminarSentimentos bem reais e bem presentes!
Grande beijo insular ;)
oh Ruben... que lindo comentário! obrigada!
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