Fragmentos de viagens...*






... Paraty azul

Tique-taque. Tique-taque. Os relógios imparáveis. Os de Paraty nem por isso. Viviam numa casa branca. Expunham-se, escancarados à porta, rindo-se nas mãos do relojoeiro. Peças antigas. Peças de arte que se acertavam, guardando a ilusão do tempo eterno. Num dia sem tempo, na quietude de uma tarde quente de Verão, Paraty ganhava os transeuntes que se entretinham nas lojas que ali moravam.
Uma paragem na Cuca de Banana, onde degustámos empanadas de beringela, seguidas de banana flambada na cachaça com sorvete artesanal. Iguarias tão estranhas quanto deliciosas para despertar outros sentidos.

De porta em porta, ressoavam passos lentos pelas ruas empedradas de Paraty, perscrutando as artes e ofícios dos artesãos locais. Vivem em casas caiadas, com janelas bordadas a azul e amarelo, onde ainda se escondem os antepassados portugueses. Aqueles que se debruçavam, quase caindo e largando memórias tricotadas por fios multicolores.

Chegaram em barcarolas que, em zigue-zague, rasgaram as águas azuis e cristalinas. Afundaram-se no sal. O modo de se conservarem na vegetação exuberante e verdejante à beira-mar.

Tique-taque. Tique-taque. O azul transforma-se em cada sonho. O suave odor de maresia ao amanhecer converteu-se no despertador perfeito. As araras azuis invadiam a paisagem sonora, às sete da manhã, ajustando com delicadeza os acordes das ondas ainda pálidas.
Um banho de mar: o elogio fácil às águas salgadas de Paraty. O tempo multiplicou-se na Praia do Sono e gravou-se num sorriso sem pressa. Caminhando à beira-mar, a areia macia e branca agarrava-se aos dedos dos pés. Fragmentos de um dia veloz, que se escapou por entre outros dedos. Os das mãos que, num esforço em vão, tentaram prender um suspiro.
A máquina fotográfica quis desenhar o tempo, mas o vento selou a paisagem, sem quebrar as montanhas ao largo do horizonte. Montes calvos sob as nuvens brancas, figuras pouco geométricas com traços inequívocos da realidade pintada de verde pistácio.
Mais um mergulho, uma espécie de tentativa para salvar a fragância de um Setembro inesquecível. Inspirando o odor a maresia, vesti o azul de Paraty. E assim guardei o tempo sem contrários e a paisagem cristalina.
Sem pressa de voltar, amanheci noutro lugar.


*Este texto foi publicado no Jornal Chapinheiro