O banho dos elefantes é uma das atracções de Sauraha, uma das vilas que dá acesso ao Parque Nacional de Chitwan, Nepal. São inúmeras as agências turísticas que oferecem uma série de actividades aos visitantes. Caminhadas de um ou vários dias na selva, passeios de jipe na selva ou até ao lago 20000, passeios de canoa, passeios nocturnos, a pé ou de jipe, noites na torre - presume-se que numa das muitas torres de militares, aqueles que fazem a vigilância do parque nacional -, observação de aves, passeios de elefantes e banhos dos elefantes.
Aluguei uma bicicleta e ontem pedalei até ao lago 20000, onde subi a uma das tais torres de madeira e tecto de alumínio azul. Os seus dois andares têm um impacto discreto na paisagem. O mesmo não se pode dizer das garrafas de plástico à beira-lago, tão-pouco do pó que engoli antes de me sentar num dos bancos providenciados para a contemplação.
Entre a bilheteira e o parque de estacionamento percorri cerca de cinco quilómetros em terra batida na companhia de um militar, com quem ia trocando impressões acerca de Portugal e Nepal. O cheiro a queimado era resultado de um incêndio recente provocado por algum fumador distraído. Ali, na floresta de Chitwan. A conversa ia sendo interrompida pelo motor e o pó dos jipes, o que me obrigou a lavar o cabelo à chegada a casa.
Contemplei os muitos verdes das águas e da vegetação em torno do lago, melhor dizendo, lagos. Os diversos leitos de água faziam adivinhar dezenas, não milhares de pequenos lagos. Um local também apreciado pelos mais jovens, a ver pelos pares amorosos que ali se encontravam a passear. Também duas famílias nepalesas desfrutavam do lugar.
No regresso a Sauraha, cruzei-me com muitos nepaleses deslocando-se bicicleta, sendo abordada inúmeras vezes com um sorriso acompanhado de Namastê. Não era a única estrangeira, mas os poucos que escolhem a bicicleta para conhecerem as redondezas faziam de mim uma atracção local. Os óculos de lentes azuladas e espelhadas também cativavam as crianças sorridentes e curiosas.
Nas proximidades da vila ultrapassei vários elefantes transportando algumas pessoas no seu dorso. Tão altivas que não tinham como vislumbrar, só assim entendo a sua opção, o olhar tão pesado, quanto triste dos animais. A sensação que tive foi a de que a sua angústia era proporcional ao seu tamanho. Mas o olhar dos turistas não terá captado o rio perdido dos seus transportadores.
Quando, hoje, me dirigia para o lugar onde os elefantes vão a banhos, não sabia o que ia ver. No dia em que cheguei, Raj Indra, um dos funcionários e guia do hostel, conduziu-me por um curto passeio pelas redondezas, assinalando-me à distância este local, informando-me a hora estipulada para o efeito: onze da manhã.
Passava-me pela cabeça que seriam às dezenas, os maiores mamíferos terrestres no rio, dado o número de locais que oferecem os seus serviços. Durante o caminho observava uma espécie de discurso interior, como que a preparar-me psicologicamente: muito bem, pelo menos levam os pobres animais ao rio; talvez assim se sintam um pouco livres dos seus deveres.
Qual quê!
Ainda era cedo, dez e pouco, quando alcancei a margem do rio e vi três elefantes. Imagino que o número tenha subido ao longo da manhã. Em cima de cada um deles, estavam outros animais, os humanos. Nem ali os trombudos estavam em paz. Pelo contrário, eram estimulados - espicaçados, melhor dizendo, com um pau - para molharem os humanos com as suas trombas, à laia de mangueira.
Os grandes paquidermes tinham a pele manchada, parecia gasta e doente. Perguntava-me se as escovas seriam adequadas para aquela pele sem a sua camada de lama protectora face aos raios solares. Acredito que em Chitwan essa protecção seja necessária, uma vez que a cor avermelhada do sol, aquando das suas fases nascente e poente, confirma os elevados níveis de poluição.
Sentei-me debaixo da palhota com cerca de dois metros de largura e cinco de cumprimento. Insuficiente para a plateia que chegara com antecedência.
Ao meu lado, uma jovem turista perguntava ao seu guia se este iria ao banho, com um dos elefantes. Ele respondeu com a mesma questão. A jovem loira de olhos azuis parecia na dúvida. Talvez estivesse céptica quanto à qualidade das águas. O fraco caudal - estamos em meados de Abril - aguarda o início da monção para recuperar deste clima mais quente e seco. O verde acastanhado era pouco convidativo, pelo menos para esta estrangeira. Mas à beira rio adivinhava-se uma fila de gente a querer saltar para as costas dos elefantes e assim levar com a sua tromba... de água.
Escutava a conversa de ambos com curiosidade e até expectativa. O guia dizia à moça que podia tomar banho quando lhe apetecesse, enquanto que ela teria ali a sua oportunidade... única.
Engoli em seco as palavras que voaram numa voz doce e num inglês não nativo, tentando captar traços de ironia: "eu gostava de te ver a tomar banho com o elefante". Sim senhora, um dois em um. O maior animal terrestre, aqui domesticado (na melhor das hipóteses), subjugado aos caprichos dos turistas e a dar banho ao guia local. Uma bela fotografia para postar nas redes sociais.
Não consegui esperar pelo ponto alto do espectáculo circense. Ainda que não tenha poder para evitar este tipo de prática, o facto de estar aqui implica-me o suficiente para, pelo menos, partilhar este texto, ao mesmo tempo que reflicto acerca dos meus próprios comportamentos e atitudes, questionando-me: como posso eu contribuir para um mundo um pouco mais justo, um pouco mais
amoroso e mais sustentável?...
12/04/2018
Chitwan, Nepal