É com profunda gratidão que me detenho a contemplar a
passagem das estações. Este sentimento envolve-me com cada vez mais frequência
e, no que respeita às quatro estações, acontece sempre que se nota a respectiva
transmudação. Desde logo, por viver num
local onde que as quatro estações ainda (ainda!) são facilmente perceptíveis.
Não é necessário ser a pessoa mais atenta para reparar
na diminuição crescente dos dias ou no acentuado arrefecimento nocturno – cada
vez mais acentuado e cada vez mais arrefecido. Assim como não é difícil
observar o solo pejado de folhas secas, ora mais amareladas, ora mais
acastanhadas até ao tom mais avermelhado – que nos lembra o porquê de ser a
estação das cores quentes –, como acontece com as folhas dos plátanos que
povoam as cidades do Porto e de Matosinhos.
É facilmente reconhecível que me reporto, neste caso
em concreto, à transformação dos dias, cada vez mais outonais... não estivesse
o Outono tão próximo – escrevo a três dias do Equinócio de Outono (que começa –
começou quando estiver a ler – no dia 22 de Setembro às 20h02!).
Se bem que já me tenha debruçado sobre o Outono neste
espaço, é mais forte do que eu! Talvez por pressentir e sentir que é, sem
dúvida, um enorme privilégio observar, percepcionar com mais ou menos atenção
os pormenores anteriormente mencionados. Pormenores, só na aparência – a minha
opinião.
Como ficar indiferente à mudança de tonalidades das
copas das árvores que, lentamente, se
vão despojando das suas folhas?
Como ficar indiferente à neblina matinal, cuja camada
espessa cobrindo os lagos do Parque da Cidade (do Porto) me dá a sensação de
estar num local misterioso?
Como ficar indiferente à distinta posição do Sol quando
se despede diariamente?... cada vez mais cedo. Já reparou? Ainda há umas
semanas podíamos ler sem luz artificial até às nove da noite...
Como ficar indiferente ao nascer do Sol, cada vez mais
tardio? Nas últimas semanas tenho despertado com a Lua no céu... índigo.
E como ficar indiferente ao facto de ser possível
percepcionar estas transformações num país no qual, ainda (reforço), se
distinguem as quatros estações?
E, mais ainda, como ficar indiferente ao facto de me
ser possível observar, sentir, cheirar, escutar os elementos da Natureza?
Não é um pormenor ver, escutar, sentir, cheirar e até
degustar os frutos da estação. As laranjas da Quinta voltam a ser muito
saborosas. Os marmelos já estão em formato marmelada e geleia (adoro!) e as
castanhas começam a pintar os corredores dos jardins.
Ah...
E, quando Outubro chegar, tudo isto será ainda mais
exuberante... até o frio!
Pode ser que haja tarefas, afazeres, actividades,
ocupações, trabalhos, etc., muito mais relevantes do que a ‘mera’ contemplação.
Pelo menos é esse o lema das nossas sociedades híper produtivas: “Seja
produtivo!” Sociedades em que o trabalho
(ainda) é a condição humana, como defendia Hannah Arendt.
Mas não será a contemplação uma dimensão humana tão
importante quanto o trabalho? Mais um pormenor, enaltecendo a Arquitectura (e
também a Paisagista) – celebrada mundialmente na primeira segunda-feira de Outubro – que se repercute em
espaços como o Parque da Cidade do Porto: este parque terá sido projectado por
Sidónio Pardal, com o objectivo que este fosse um espaço, sobretudo,
contemplativo. Os bancos de jardim, estrategicamente posicionados, em frente
aos diversos lagos são disso exemplo.
Contemplar é um verbo – logo implica acção. Só na
aparência a contemplação é passiva. Com efeito, estar de forma consciente em
contemplação, a contemplar, contemplando, é uma decisão. É escolher admirar e
reconhecer com gratidão a beleza que nos rodeia, que nos envolve... e que (ainda)
nos está disponível.
Contemplar, para mim, é reconhecer que essa a beleza e
harmonia da Natureza (por exemplo) não é um dado adquirido e que, só na
aparência, acontece por acaso... Acontece, É!, também para nos lembrar que a
vida não é garantida, que a sua precariedade é tão ou mais palpável que a
morte. E que, assim sendo, é primordial contemplar cada instante, cada gesto,
cada som, cada cheiro, cada cor, cada sabor, cada folha avermelhada que cada
plátano nos oferece, só porque sim... aparentemente.
Bem-vindo (ao) Outono!
*Este texto foi publicado no Jornal Champninheiro