Fotografia de um instante*



Há palavras que nos tocam como beijos de uma criança.
Há sons que nos adentram como o abraço da avó.
Há cores que se espalham tão brilhantes que nos iluminam o caminho.
Há gestos simples que, de tão subtis, se sentem como uma leve brisa de Primavera à beira-mar.
Há bebidas tão suaves, que nos alimentam tanto como um fausto jantar.
Comecei deste modo, a propósito da obra “A quinta dos animais”, inicialmente traduzida para português como “O triunfo dos Porcos”. A sua publicação remonta a 17 de Agosto de 1945. Um livro da autoria de George Orwell que me tocou profundamente. Há palavras que continuam (e continuarão) a reverberar em mim. A parábola do autor é, na minha perspectiva, uma metáfora muito actual. Actual em demasia, diria até. Em particular quando se resgata o último dos princípios instituídos pelos animais. Um princípio adulterado pelos porcos que se encarregaram de liderar, de forma totalitária, os restantes animais em revolta contra os proprietários da Quinta do Infantado: “Os animais são todos iguais, mas alguns são mais iguais do que outros”. Na sua origem, o mandamento era ‘apenas’: “Os animais são todos iguais”.

O que resta da essência da Política? Aquela que se reportava à organização de uma cidade-estado, a cidade dos cidadãos. Quando os cidadãos que a ‘administram’ se posicionam como mais iguais do que os outros, com mais direitos do que aqueles a quem, em teoria, estão a servir...
Servir ou controlar. Como noutra obra tão ou mais emblemática do mesmo autor: “1984”. O fictício (?) ‘grande irmão’ é de tal ordem visível na sua ‘invisibilidade’ aparente, que a distopia publicada em 1949 continua a ser fonte de fervorosos debates. Actualmente, quando se pára para reflectir um pouco – neste tema, nem sequer é necessário aprofundar o nível de reflexão –, é facilmente perceptível que não existe (quase) nada que escape ao controlo e escrutínio alheio.
Se parte da responsabilidade é individual, uma grande parte é totalmente incontrolável e mesmo desconhecida do comum dos mortais. Só quando nos detemos em determinados pormenores (só na aparência) despiciendos é que nos ocorre questionar: Como diabo é que isto veio aqui parar? Como diabo se sabe que estou aqui ou acolá a fazer isto ou a comprar aquilo?
Dá que pensar...
As teorias da conspiração – se é que são teorias e se é que são conspirativas – deixaram, no entanto, de ser uma fonte de ‘pre-ocupação’ para mim. Há muito que compreendi que não tenho controlo sobre quase nada, tão-pouco sobre a minha própria privacidade. Desisti de me incomodar. Guardo a energia para dimensões mais relevantes e enriquecedoras.
Procuro ler mais, por exemplo.
Escuto mais música.
Abro mais os olhos para caminhar de forma mais atenta.
Uso menos roupa, menos coisas, para assim captar melhor a temperatura dourada do sol de Verão.
Saboreio mais lentamente um refresco de melancia, sentindo o abraço dos meus sobrinhos, que são cada vez mais.
“Tiaaaaa!!” – o Rodi, a Matilde e a Carlota. Uau! As lágrimas até saltam quando o Gu me pergunta expectante: “E tu vens, tia?” (ao espectáculo de Dança onde, entretanto, actuou muito feliz por estar em palco a realizar o que adora).
Quando a Íris sorri e ri... Ah, um ano já: a Íris, no dia 9 de Agosto! A minha ‘sobrinha’ mais nova. Há mais ‘sobrinhas’ e ‘sobrinhos’ das minhas amigas – ‘irmãs’ que me acompanham e enchem o coração.
Que bom que temos máquinas fotográficas; desse modo temos como gravar instantes de alegria; desse modo temos como tornar esses instantes eternos, não apenas no coração, mas também na memória futura.
No dia 19 deste mês comemora-se mundialmente a fotografia. A data que a Academia Francesa anunciou como sendo da invenção do daguerreótipo, em 1837, por Louis Daguerre. O daguerreótipo foi considerado, então, como um presente de Daguerre para o mundo. E nós agradecemos a possibilidade de fotografar, mesmo que as fotografias se fiquem pelo formato digital. Pelo menos assim não se gastam recursos...

Contudo, tenho de confessar que a fotografia impressa dos meus sobrinhos e das pessoas que me são queridas são e serão um dos presentes que me acompanham, também nas viagens. Até porque me transportam em viagens... no tempo e no espaço.

* Texto publicado no Jornal Chapinheiro