Fotografia de Miguel Gonçalves |
A borboleta azul iniciou voo n’A Casa da Boavista. A casa
senhorial onde reside o Chiado Café Literário. A casa onde, há quase quinze dias,
se realizou o lançamento d’A borboleta Azul. Nenhum livro foi atirado ao ar,
como alguns amigos brincaram. Muitas borboletas azuis voaram para outras mãos –
quem sabe seguindo a sugestão de Luís Pires: o representante da Chiado Editora.
Durante a sua intervenção, Luís Pires soprou palavras doces
e suaves, num tom de voz igualmente macio e sereno. O tempo parou. O tempo
voou. Isso sentiu a C, que há pouco me dizia isso mesmo. Luís interveio num
pestanejar tão rápido, como intenso. Sugeriu a todas as pessoas presentes que
cuidassem dos livros, dando-lhes vida. O livro ganha vida quando é aberto,
quando é folheado, quando os olhos percorrem e absorvem as palavras ansiosas
por serem lidas e acolhidas.
Na sala Fernando Pessoa, uma das inúmeras divisões mágicas
d’A Casa da Boavista, Luís propunha aos muitos amigos presentes que, em vez de
colocar este livro, assim como qualquer outro, de imediato numa estante, se lhe
desse uma oportunidade para existir. À entrada de casa, por exemplo, ou na
mesinha de cabeceira; o caso da C... A C que, por estes dias, tem a companhia
nocturna de uma borboleta azul, estando deste modo, receptiva à metamorfose
onírica.
Na véspera da sessão de lançamento, Luís deixou-me
apreensiva ao lembrar-me do inevitável. Estava prestes a dar asas à borboleta,
qual mãe resignada que vê partir os filhos para viverem as suas vidas de forma
autónoma. Na perspetiva de Luís, publicar é um acto de coragem. Só então me dava
conta que deixaria de ter ‘poder’ sobre aquela borboleta. Enquanto agrilhoada
no mundo virtual, tinha capacidade de a mudar ou mesmo eliminar ou ‘deletar’,
como dizem os amigos brasileiros. Está livre. Cada palavra, cada linha, cada
frase será lida, interpretada sem que eu tenha como dizer: “ah, não era isso
que eu queria escrever; ah, que giro, foi isso que entendeste; ah esquece,
ah...”
Ah... Nada a fazer a partir de agora. O papel regista e
guarda para quem desejar ler o que há muito escrevi, de uma forma mais ou menos
pessoal, ficcional; enfim, de forma sentimental – a interpretação da G. A amiga
que telefonou a felicitar as histórias publicadas. “Expões-te muito” - acrescentava.
Ah, ah. Arrisquei sem estar a pensar se estaria ou não a expor a pessoa que em
mim vive as experiências... Mas a vida vai sendo vivida com a mesma intenção
consciente... Só quando me entrego, sem medo!, aprendo, apreendo, experiencio
cada instante que me é concedido viver.
As rugas de expressão ganharam profundidade através do
sorriso que cada pessoa presente estimulava. A gratidão crescia minuto a
minuto, envolvendo-me numa cápsula intemporal.
A sessão prosseguiu com o professor José Manuel Constantino,
que apresentou com a delicadeza e cuidado, ao mesmo tempo com a graça,
boa-disposição e descontracção que lhe reconheço. A escolha perfeita para a
lagarta que, libertando-se do casulo, se transforma – neste caso ainda insegura
– num livro com asas... azuis. As palavras escritas e pronunciadas, pelo amigo
professor, com carinho confirmaram, novamente, como estou tão bem rodeada.
Com efeito, a sala estava cheia de gente linda e muito querida
que na mesma medida me fazia sentir querida e linda. Os meus olhos captavam
sinais que se repercutiam tumultuosamente pelas veias e artérias. O sorriso,
captado na fotografia de Miguel Gonçalves, era a minha reacção. Como não?
Na sala Florbela Espanca, que a Maria Noronha preparara para os
autógrafos, os abraços sucediam-se. Agradecia, assim, de forma modesta às
pessoas amigas que me presentearam com a sua presença, enquanto bebericavam o Porto
de Honra na sala contígua – mais um dos muitos recantos acolhedores, expirando
inspiração, d’A Casa da Boavista. Um espaço que me chamou novamente e onde,
enquanto degusto um chocolate quente delicioso (com leite de soja, ah, ah), sem
pensar nos meses que esta bebida quente se deterá nas coxas, escrevo estas
linhas. Era impossível guardar para mim o sentimento de gratidão que me enche,
mesmo que, mais uma vez, me exponha... Expondo, talvez, a fragilidade que me
sustenta. Afinal, a vida é uma dádiva, que nem na aparência é garantida. Como
uma borboleta, é frágil, efémera e voa, voa...
Fotografia de Miguel Gonçalves |
2 de Março de
2017
Porto,
Portugal