Em modo gratidão...*

Foto de Rafael Wendhausen


É no último dia dos Jogos Olímpicos que escrevo esta crónica. O sentimento que me enche e preenche é sobretudo a gratidão. Sendo o dia 21 de Setembro o dia Mundial da Gratidão, tenho vontade de desenvolver um tratado sobre o assunto. Ah ah ah. Calma, leitor ou leitora, mesmo que o venha a realizar não será certamente aqui.
Do lugar onde vivo nestes dias posso, ainda assim, transmitir o possível através da palavra escrita.
Dizia então que a 21 de Setembro temos a oportunidade de celebrar, comemorar, lembrar e, principalmente, viver e sentir em gratidão. Independentemente do conceito que cada um tem da sua existência, a sua aleatoriedade é inequívoca. É a Ana que aqui escreve, mas poderia ser outra pessoa qualquer e, só por isso, vale a pena expressar publicamente o meu agradecimento por fazer parte do Chapinheiro! Cada circunstância em que me encontro e que a vida me proporciona é, sem dúvida alguma para mim, uma ocasião para me sentir grata.
Mesmo sabendo que me repito neste tema, é sem reservas que uso (e abuso?) deste espaço que me é concedido para o efeito.
No último dia dos Jogos Olímpicos, o sentimento que me enche e preenche é sobretudo a gratidão. Assim comecei esta crónica. Como não repetir? Estou no palco da maior festa do desporto do planeta. Estou nos bastidores também. Vivendo por dentro e assistindo, de quando em vez como espectadora, o corolário de muitos anos de trabalho dos melhores atletas do mundo.
Ontem, por exemplo (20 de Agosto), tive o privilégio de me sentar na bancada e aplaudir ao vivo e a cores na Avenida Atlântica, em Copacabana, a prova de Triatlo feminino. As trinta e cinco melhores atletas do mundo nadaram, pedalaram e correram num esforço comprometido, marcando em cada gesto o lema dos Jogos Olímpicos: Citius, Altius, Fortius - mais rápido, mais alto, mais forte.
Senti-me grata ao observar as lágrimas de alegria e satisfação das atletas vencedoras das medalhas, assim como ao observar as lágrimas de todas as atletas que atravessaram a meta, cumprindo assim o seu propósito - o de fazerem tudo o que estava ao seu alcance durante a sua prestação olímpica. A preparação prévia (passe a redundância) ali estava expressa, ora por uma medalha, ora por um recorde pessoal, ora por uma estreia no palco olímpico, ora por uma classificação melhor que numa participação anterior, ora pela superação pessoal de um Qualquer obstáculo.
É, com efeito, uma empresa titânica ser-se apurada ou apurado para a maior competição desportiva do mundo. Também por isso me sinto grata: aplaudir as atletas que treinaram horas e horas por dia, que abdicaram de horas e horas com a família e os amigos, que nadaram horas e horas em águas geladas, que pedalaram horas e horas à chuva e ao frio, que correram horas e horas sem descanso e muitas vezes em dor.
Aplaudi a chegada de todos os atletas que, nos bastidores, se sacrificaram, esforçaram, empenharam e comprometeram com um propósito: atravessar a meta olímpica.
No último dia dos Jogos Olímpicos, o sentimento que me enche e preenche é sobretudo a gratidão. Claro que me repito. Como não? Estive envolvida na organização e realização das provas de Ciclismo de Estrada e BMX. Provavelmente as melhoras provas dos jogos Olímpicos! Ah ah ah. Do ângulo em que estou posicionada, é o que sinto!
Por um lado, as provas de Ciclismo são das mais complexas. A sua realização na estrada implica e exige muitos recursos materiais e humanos. Na prova de Ciclismo de Estrada, por exemplo, os atletas masculinos pedalaram quase 240 km nas estradas do Rio de Janeiro. Se, para o mundo, as imagens que a televisão transmitiu foram maravilhosas - o cenário carioca presta-se a essa magnificência - , para todos os que estavam envolvidos na sua organização e realização, o trabalho foi árduo, muito árduo, terminando somente após tudo limpo e arrumado.
Por outro lado, as provas de BMX - ou Bicross, corrida de bicicletas especiais em pistas de terra - realizaram-se no Parque Radical de Deodoro, tendo sido acolhidas pelo público como a melhor experiência nos Jogos Olímpicos. E isso é, certamente, para toda a equipa motivo de regozijo. Pela parte que me toca, é novamente motivo de agradecimento: grata por estar de algum modo implicada nessa experiência, grata por integrar duas equipas de trabalho, no seio das quais as aprendizagens são incomensuráveis.
Quero, pois, agradecer a todos aqueles que me recebem e acolhem em cada dia, por me concederem esta oportunidade única: a de viver o sonho olímpico, seja trabalhando, seja contemplando!
Os sonhos podem, de facto, realizarem-se. Assim sendo, vale a pena lembrar o dia 25 de Setembro - o dia Mundial do Sonho. Um dia que pode ser aproveitado para colocar no papel o sonho a realizar e trabalhar em cada dia para que ele se concretize. Porque sim, sim é possível. Os atletas que ganharam medalhas que digam. O atletas que aqui estão pela primeira vez que digam. Os atletas que atravessaram a meta que digam!
Os Jogos Olímpicos terminam esta noite. Amanhã retomamos os trabalhos para a outra grande festa: os Jogos Paralímpicos - o maior evento desportivo ao nível planetário para todos os atletas com deficiência. Venham então os Jogos Paralímpicos! Tenho a certeza absoluta que a gratidão que me envolverá não caberá em mim, no momento em que outros tantos atletas pedalarem nas ruas do Rio de Janeiro!

                                                                       
PS: O dia terminou assistindo à cerimónia de encerramento dos Jogos Olímpicos. Um amigo tinha um bilhete a mais; ofereceu-me! Como não ser e estar contínua e profundamente grata?

*Este texto foi publicado no Jornal o Chapinheiro
                                                                       

Rio 2016... Desde o Rio de Janeiro *







Desde o Rio, quase em Games Times. A terminologia usada para o tempo real de Jogos Olímpicos. É neste período que me encontro no momento em que escrevo esta crónica – a menos de duas semanas da cerimónia de abertura. Não resisto, por isso, a dedicar esta crónica ao maior acontecimento desportivo do planeta: os Jogos Olímpicos e Paralímpicos. Arrisco a afirmar que é, sem sombra de dúvida, o maior evento a nível mundial. 

Em cada quatro anos, temos a oportunidade de unir no mesmo lugar e ao mesmo tempo, pessoas de todos os países, de culturas de todos os quadrantes, com idiomas distintos, mas todas ligadas pela mesma linguagem – a do desporto! Para mim, juntamente com a do amor, esta é a linguagem mais bem entendida, qualquer que seja o grupo ou categoria socialmente criada. O desporto tem essa grande vantagem: não necessita de tradução. Basta viver, participar. Quando a bandeira de um país é hasteada, a emoção é intraduzível. Não há necessidade de intermediários: as lágrimas de emoção não precisam de legenda!

O objectivo é o mesmo para todas as pessoas que se encontram no Rio de Janeiro: vivenciar o desporto, partilhando com alegria os momentos e as diferentes experiências, quer seja como atletas, como espectadores, como voluntários, quer seja como trabalhadores. Todas com o mesmo intuito: tornar os Jogos numa experiência inesquecível para todos aqueles que de uma forma ou doutra estão envolvidos.

É como colaboradora internacional que me encontro na equipa de ciclismo de estrada e BMX (uma modalidade recente nos Jogos, inspirada no motocross). Pela primeira vez na vida estou dentro da acção. Faço parte dos Jogos. Ajudo a Fazer Acontecer, pela Paixão que nos une! – outra das expressões que muito escutamos. Como muitas pessoas que vou conhecendo, estou a concretizar um sonho! Estou por dentro dos Jogos! A emoção e a gratidão são indizíveis. 

Cheguei no início de Junho, para colaborar até ao final dos Paralímpicos. Durante estes três meses e meio, pouco tempo há para além da preparação e concretização dos Jogos. Ou seja, durante este tempo, juntamente com muitas outras pessoas, fazemos tudo para fazer acontecer

Quando recebi o convite para integrar esta experiência, a primeira coisa que me passou pela cabeça foi: “É mesmo verdade?” Vivi um laivo desse êxtase em Outubro passado, ao participar como voluntária no evento-teste de Mountain Bike (competição de Bicicleta Todo o Terreno, vulgo BTT). Desde então, e até receber a boa notícia, alimentei esse sonho: fazer parte do Time Rio 2016! O sonho concretiza-se a cada dia, a cada hora. 

Um amigo perguntava: mas porque fazes tanta questão de ir trabalhar sem receber nos Jogos Olímpicos? Quando ainda “só” tinha a expectativa de ser voluntária. É provável que a sua dúvida seja a de muitos em relação aos voluntários. Todavia, para todas as pessoas que têm uma mais ou menos forte ligação ao desporto, os Jogos Olímpicos não são um acontecimento qualquer: são O Acontecimento! 

Basta perguntar a um praticante de desporto amador de uma qualquer modalidade, basta observar um atleta a subir ao pódio, basta pensar em todos os pequenos e grandes sacrifícios que todos os atletas realizam para serem seleccionados para a comitiva do seu país. Não há palavras. A minha reposta ao meu amigo.

Independentemente do que venha acontecer amanhã, as horas vividas num frenesim frenético compensam todas as horas de cansaço, sem dormir e de alimentação duvidosa. Mas como diz a líder da minha equipa, estou aqui para trabalhar. Num ritmo de pelo menos onze horas por dia de trabalho, o contacto com uma realidade tão distinta, mostra-me e confirma-me pelo menos duas coisas: os sonhos podem realizar-se e sim, senhora, sou uma pessoa privilegiada. E, porque não dizê-lo, bendita, abençoada, protegida, agraciada – qualquer que seja o sentido que se conceda a essas palavras.

A minha intenção com todos estes adjectivos é tão-somente expressar o sentimento com que desperto todas as manhãs: o de profunda gratidão por estar aqui. E por inúmeros motivos. Um deles, o de conhecer gente de todo o mundo, de contactar com pessoas que, com ou sem ganhos financeiros, se dedicam de corpo e alma, ultrapassando cada desafio como quem brinca. Trabalhando como quem vive um propósito maior.

É certo que com sacrifícios, mas a vida também é isso: aceitar as consequências das escolhas como inerentes ao processo. Atrevo-me a afirmar que o significado de sacrifício ganhará novos sentidos quando, no dia 5 de Agosto, os Jogos Olímpicos forem formalmente inaugurados com a Cerimónia de Abertura. Pela parte que me toca, tenho certeza que no dia 6 de Agosto, quando os ciclistas atravessarem a linha de partida estarei a chorar baba e ranho. 
Por isso, caro leitor ou cara leitora, se esta crónica lhe parecer curta ou mal escrita ou com pouco sentido, seja compassivo(a) para comigo... Os meus olhos há já muito que gritam para que lhes dê algum descanso.

Sugestão: esteja atento ou atenta a partir do dia 5: os Jogos Olímpicos estão a começar no Rio de Janeiro - a Cidade Maravilhosa... Vale a pena sentar no sofá e ver o que se passa deste lado do oceano. Afinal, os Jogos Olímpicos só acontecem de quatro em quatro anos e, este ano, o português é a língua mais falada!!







 
 *Este texto foi publicado no Jornal O chapinheiro