Ai que saudades das marchas...*





O mês de Junho convoca, desde logo, as festas populares. Santo António, São João, São Pedro... as festas que instantaneamente surgem no imaginário. Das primeiras, poucas memórias se guardam em mim. São João, dá cá um balão para eu brincar. Os balões enchem os céus nocturnos de luz trepidante. Os martelos e o alho porro enchem as ruas da invicta. Não há quem escape ao cheiro agreste na ponta do nariz e muito menos sem levar com umas quantas marretadas. Tudo em festa com o pretexto dos santos. É disso mesmo que se trata, de santos padroeiros em festa. São Pedro é relevante para mim, sobretudo pela data – era o dia de aniversário da minha querida tia Lurdes.
Das noites de Santo António, apesar de ter vivido em Lisboa até aos doze anos, não tenho lembranças. Essa ausência em mim não me impede de resgatar as memórias alheias. Decidi, por isso, pedir ajuda. Afinal de contas, no largo de Santo António – em Nogueira – é costume festejar-se pela noite dentro.
Ao solicitar auxílio, confirmei o que suspeitava: as marchas não têm marchado nos últimos anos (se esta informação estiver incorrecta, por favor seja benevolente para comigo: a verdade é que tentei obter mais dados). Antes das marchas começarem a desfilar pelas ruas, porém, é fundamental evocar o que alguém lembrou: faziam-se fogueiras com rosmaninho.
O gira-discos do Piroteu era a banda sonora para as noites, nas quais os mais ariscos e afoitos saltavam as fogueiras sem descanso... quer dizer: de vez quando eram obrigados a descansar. As labaredas alcançavam os calções ou as saias de quem não parava e desafiava a física. De resto, como é sabido, esse é o tipo de incidente que não passa disso mesmo: um incidente que era tão-só mais um motivo para a risota despegada, que entretanto mantinha a alegria de quem se reunia para dançar e saltar.
            Quanto às marchas, dos testemunhos recolhidos, o sentimento que prevalece é o da saudade. Queremos as marchas de volta – o que depreendi de quem saudosamente atendeu ao meu repto: “ah... que saudades...”; “isso é que eram festas”; “temos de repetir”; etc... Outras expressões semelhantes a corroborar o mais relevante: as marchas de Santo António eram um momento muito alto na vida de Nogueira do Cravo. Não apenas a noite de 12 para 13 de Junho. Os preparativos para a festa, nas tardes e noites anteriores, eram em franco convívio, alegria e partilha. Preparativos que implicavam naturalmente a confecção dos trajes coloridos, o ensaio das coreografias e toda a decoração necessária para alegrar o largo e tudo ao seu redor. É natural, portanto, que quem tenha participado nas marchas sinta essa nostalgia expressa pela Sónia: “Naquele largo éramos todos uma família... que saudades...”
Convém ainda referir que as marchas de Nogueira não eram umas marchas quaisquer. Não só eram vividamente desfrutadas, cantadas, dançadas por quem participava ou assistia, como almejaram vários prémios. Em 2007, por exemplo, um honroso terceiro lugar em Oliveira do Hospital.  
As fotografias são muito coloridas e cheias de sorrisos cantados, sendo certo que os foguetes terão marcado os momentos mais fortes das noites repletas de versos cantados sobre namorados e namoradas. Já se sabe que o senhor santo António é um dos santos mais casamenteiros. Quem sabe se as marchas voltarem a dar vida ao largo de Santo António haja quem mais case, ou pelo menos quem mais se junte para conviver na aldeia do nosso coração.
Foi de coração aberto que me sopraram alguns versos de marchas de outros anos. São versos da D. Altina, que por acaso é a minha querida avó. Quem sabe seja um estímulo para arrepiar caminho. Afinal, ainda faltam algumas manhãs, tardes e noites até ao 12 de Junho.
Santo António é povo
A Bica é uma cidade,
Pelourinho barco d’ouro,
Onde embarca a mocidade.

Adeus ao largo das Almas
Caminho que vais para a fonte.
Por causa das raparigas,
Muito sapato se rompe.

Minha terra é Nogueira,
Não nego a freguesia
Onde eu fui baptizado
Naquela sagrada pia. 

 * Texto publicado no Jornal Chapinheiro